segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

1982 – O ANO QUE NÃO ACABOU. (Parte I)






Era o primeiro jogo do Brasil. A casa estava enfeitada como em dia de festa (naquele tempo ainda se fazia isso). Bandeirolas, mesa posta, olhos atentos e vibrantes, tudo espelhando uma celebração única. Televisão Telefunken com bombril na antena para melhorar a sintonia, e no centro da sala o sofá estrategicamente posicionado. Tudo era um: uma televisão, um sofá, uma geladeira, um telefone de disco. No “três em um” o disco de vinil (naquele tempo também tinha isso) com o jingle da copa. Antes do primeiro tempo, lembro, fui ao pátio: era como se toda vizinhança estivesse unida numa fina sintonia; risos ao longe, fogos, e hiatos de silêncios marcando a expectativa coletiva.

Dos times adversários, uma imagem quase mítica estampava meu álbum de figurinhas daquele ano: Rinat Dasaev, o gigante da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – CCCP (naquele tempo isso existia), o tártaro sucessor de Yashin (o Aranha negra). Estava lá, pois, a muralha russa, a lenda dos guarda-metas, desafiando a seleção canarinho em seu primeiro jogo. E tudo começou com um assombro: Valdir Peres, imbatível em penalidades máximas, aceitou o primeiro gol dos russos. Silencio geral. Não se ouvia mais o “voa, canarinho, voa...”. Mas tudo girou. O “doutor” Sócrates dominou a bola na intermediária, cortou para o centro, tirando do primeiro marcador, mais um corte, e lá se foi o segundo, e num lampejo de virtuosidade acertou um “pombo sem asa” no ângulo. As mãos até então inexpugnáveis de Dasaev chegaram a sentir o vácuo gerado pela bola que pousou nas redes russas. Depois, cai de vez a muralha tártara com o chute de Éder, sacramentando uma das reações mais memoráveis do futebol brasileiro.

Ao final do jogo, fui ao pátio mais uma vez. Era uma mistura de São João com carnaval. Uma alegria diferente. Prelúdio, quem sabe, de novos tempos. Uma ingenuidade verdadeira, típica dos 80, com suas ombreira, shorts curtos e permanentes. Uma ingenuidade trágica, bela e ridícula ao mesmo tempo, cujo símbolo máximo, no futebol, foi a seleção de Telê Santana. Naquele tempo era assim: a vitória mesmo, aquela que valia a pena, era apenas ser simples, verdadeiro, ou apenas feliz.

Vladimir Luz

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

2 de julho (para quem não tem 20 de setembro)




...........

Sobe a ladeira da vida
Penhor de sol e mar
Brasa ardente na pele ancestral
Ocaso de lanças e danças sem fim


E na subida observa quantos se foram
Observa as correntes partidas, os amores partidos
Observa a criança nua, gesto cativo da mãe
Observa a luz de tantas eras, escuridão revivida
Ouve, então, o som do tambor da guerra, o mesmo da alegria
Atento ao silêncio dos livros oficiais
Ao rumor do dia que sempre começa
Parto de Justiça, machadinha de Xangô
Tropeço, dança, grito na rua estreita


Sobe, sem medo, a ladeira da vida
No seu topo não há fim, não há chegada
Apenas mirante, apenas miragem
O fardo feliz de que se pode, enfim, viver
E lutar

terça-feira, 6 de setembro de 2011

PALAVRAS




Não sei ser sem palavras

Tudo que tenho são palavras

Sentidos que se traduzem no dito e não dito

Se penso “mundo”, a palavra mundo se faz mundo

Mas ao lado das palavras deixo um espaço

O lugar do mistério

O lugar do caos

Sem início, sem verbo

Apenas substantivo

Candeia que me faz vivo

E finito

Vladimir: Vla – di – mir

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

PALESTRA EM SP - SITE DA UPF

17/08/2011 - 16:26
Professor da Faculdade de Direito profere palestra em congresso nacional


Foto: Divulgação/UPF




Professor falou sobre educação jurídica popular e acesso à justiça
O professor Vladimir Luz, da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (FD/UPF) proferiu a palestra Educação jurídica popular e acesso à justiça: marcos teóricos e experiências, durante o 1º Congresso Nacional sobre a atuação da Defensoria Pública na Educação em Direitos. A atividade ocorreu na tarde de 11 de agosto, no auditório da Defensoria Pública de São Paulo, capital paulista.

O congresso foi realizado de 8 a 12 de agosto, e incluiu debates sobre educação em direito promovidos por membros da Defensoria e profissionais de diversas áreas – como educadores, antropólogos e psicólogos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CARTA AOS MEUS ALUNOS DE TC I



Prezados alunos (as),

Já se disse que livros eram, em verdade, cartas feitas para amigos . Essa identidade entre cartas e livros seria ainda importante para nós? Suspeito que sim.

Numa certa concepção clássica e humanista de mundo, livros e cartas apenas se diferenciavam pela extensão, pois ambos, no fundo, colocavam-se como instrumentos vivos do diálogo, do encontro e da partilha, ações que sempre foram fundamentais para a realização do conhecimento humano. Pensando nesses termos, o autor de um livro pode, então, ser visto não como o dono de uma verdade imaculada, um ser distante e abstrato, passando a ser sentido pelo leitor como alguém real, um cúmplice ou confidente. Adotando-se essa percepção, ficará fácil compreender que, ao escrever um livro, determinado autor quer simplesmente partilhar sua visão de mundo e as formas pelas quais conseguiu (ou não) enfrentar problemas que mobilizaram suas forças e desejos. Portanto, sempre que leio um livro, tenho a sensação de estar conversando com alguém cuja presença é real, concreta, como se cada palavra, cada linha, fosse a confidência viva de um amigo, mesmo que suas ideias não coincidam com as minhas. Afinal, amigos não são necessariamente aqueles que pensam igual, mas pessoas que se compreendem e se respeitam em meio a toda diversidade.

Não pretendo, aqui, ser tão exaustivo como um livro. Mas, aproveitando essa identidade perdida (ou desconhecida) entre livros e cartas, inicio nosso diálogo na disciplina Trabalho Monográfico I neste segundo semestre de 2011. Começo nosso diálogo como se fazia nos tempos áureos do humanismo, ou seja: escrevendo uma singela carta.
Pois bem, alunos (as), nesta missiva, pretendo partilhar com vocês algumas ideias pessoais, impressões muito gerais acerca do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no caso específico de nosso curso: vou tratar da famosa monografia. Algumas questões me ocorrem fortemente quando penso em monografia, quais sejam: (1) para que fazer uma monografia no curso de direito? (2) qual a relevância de um projeto para quem deseja fazer uma boa monografia? (3) Quais os desafios mais comuns que rondam a fase inicial de elaboração de uma monografia?

Enfrentemos, pois, a primeira indagação. Alguém pode pensar que se faz uma monografia apenas por conta de uma exigência curricular. É uma resposta possível e talvez até legítima, ou seja: faço monografia por ser obrigado a fazê-la. Para quem essa resposta se mostrar como suficiente, sugiro pular a parte inicial de minhas considerações. Todavia, suspeito que fazer uma monografia significa muito mais que uma obrigação formal. Para tal questão, posso dar a resposta que eu tenho no momento, a qual não é a única, tampouco a melhor. Vamos a ela: a monografia pode (veja bem, pode) ser um dos momentos mais importantes da formação dos graduandos em direito. Explico melhor: se feita com rigor, ética acadêmica, metodologia compatível e vontade de saber, a monografia é instrumento único na formação do aluno. Vários são os motivos dessa importância. Primeiro, fazer uma monografia implica ser proativo tomar partido, ter de tomar decisões pessoais importantes que não podem ser transferidas para ninguém. Não quero dizer que não se é atuante noutros momentos da graduação em direito; digo apenas que, na monografia, por ser um trabalho de elaboração intelectual do aluno, não há espaço para posturas passivas, pois nós, todos nós, alunos e professores, temos de nos expor, decidir a todo instante o que fazer e como fazer, o que nem sempre ocorre nas tradicionais estratégias de aula expositiva. Há outro motivo, derivado do primeiro: ainda que seja um trabalho simples, a monografia concretiza a missão central de uma universidade, qual seja: realizar a educação superior mediante estratégias de pesquisa. Isso é pouco? Não, esses motivos são suficientes para considerar a monografia um momento estratégico, especial para a formação de vocês.

Vejamos a segunda questão: qual a relevância de um projeto para quem deseja fazer uma boa monografia? Ora, por ser um trabalho que segue parâmetros acadêmicos, é preciso entender que não se faz uma monografia sem um projeto. A qualidade do resultado da monografia depende em grande medida da qualidade do projeto. Um projeto bem elaborado pode evitar problemas no processo de caminhada. O projeto, assim, é como um mapa: aponta os caminhos e as metas, evidencia aos leitores da comunidade cientifica e geral todos os elementos que usamos para o caminhar. Mas, como tudo na vida, penso que um projeto de monografia não é um mapa inflexível, suficiente em si mesmo: ele deve ser dinâmico, ainda que tenha de apresentar elementos mínimos da trajetória que o aluno adotará para escrever sua monografia.
Vamos aproveitar mais a metáfora do mapa. Quando, por exemplo, discutirmos termos como “tema”, pense num pais que você escolheu para sua caminhada; “delimitação do tema” pode ser visto como o local especifico, uma cidade desse país que será o ponto de chegada; o “problema” como a questão que moveu você até ao ponto de chegada, ou aquilo que deve ser enfrentado pelo seu caminhar para atingir meta de chegada. O problema, visto metaforicamente, pode ser muitas coisas que instiga você, aluno-andarilho: um atalho a ser a superado, um desvio que não foi visto, uma melhor descrição, ou a possibilidade e entender como outros caminharam antes de você.
Por ser um mapa, o projeto deve ter elementos comuns, compreensíveis a todos que queiram caminhar conosco. Nesse sentido, as tais regras da ABNT nada mais são que a sinalização, as placas desse mapa, a partir das quais todos da comunidade podem se guiar de forma comum. Por isso que, por serem placas, seguem uma rígida padronização, e a sua formalidade só nos serve para isso: facilitar o entendimento comum do texto. Trataremos dessa metáfora do mapa ao longo das aulas, quem sabe ela nos auxilie de forma efetiva na elaboração desse mapa chamado projeto.

Por fim, gostaria de compartilhar algumas ideais sobre a última questão: quais os desafios mais comuns que rondam a fase inicial de elaboração de uma monografia? Vejamos apenas duas ponderações;

a) fazer um projeto de monografia requer paciência. Nada mais daninho para essa fase de elaboração do projeto do que a cultura “miojo”, com a qual as coisas devem ser feitas quase instantaneamente. Sugiro: ruminar, mastigar as dúvidas. Tudo dentro de certos limites e prazos. Mas reflita sobre o seguinte: algumas vezes é preciso conviver com certa angústia, não para ficar imobilizado, mas no sentido de se motivar em caminhar. Tempo, paciência e ação na hora certa, esses parecem ser o segredo para a construção de um projeto;

b) tema deve ser construído a partir do campo de interesse pessoal do aluno. Em resumo: quanto mais o tema surgir do campo do desejo do aluno, maior será a sua viabilidade. Por mais que seja difícil, precisamos encontrar o tema que tem a ver com nossos gostos pessoais, para, depois, decompô-lo, delimitá-lo, ver sua viabilidade e operacionalidade. Cuidado, então, com essa coisa de temas da moda. Siga, inicialmente, o seu afeto para decidir o campo de pesquisa da sua monografia. Esse esforço inicial de encontrar o tema a partir de nossa dimensão afetiva faz toda a diferença.

Bem, era isso para começar. Essa carta segue como um pretexto inicial para o nosso diálogo ao longo do semestre. Não são ideais fechadas, nem dicas infalíveis. Ao contrário, essas breves ponderações atravessam parte de minha trajetória como professor, a qual também é feita não só de acertos, mas também de dúvidas e de questionamentos. No fundo, livros, cartas, monografias são pretextos para nossa autonomia a partir do conhecimento. Esse conhecimento partilhado é o que devemos fazer na universidade.

Espero ansiosamente pelas cartas que vocês me escreverão ao longo do semestre. Aguardo as respostas de vocês. Até breve.

Passo Fundo (RS), ainda inverno, 01 de agosto de 2011.

Vladimir Luz
Após um excelente café expresso.

terça-feira, 12 de julho de 2011

quarta-feira, 29 de junho de 2011

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O DIREITO E AS CADEIRAS



Cadeiras até que poderiam ser apenas cadeiras. Algum dia cheguei mesmo acreditar nisso. Realmente, é mesmo útil e cômodo entender as cadeiras, assim como o mundo concreto que nos cerca, apenas como coisas. Na Faculdade de Direito, lá estão elas, as cadeiras, servis e silentes, prontas ao nosso banal uso cotidiano, acomodando nossos corpos em meio aos sincrônicos métodos de “aprendizagem”. Assim, ainda para alguns, na douta Faculdade, dia após dia, cadeiras eram apenas cadeiras, e aulas era apenas aulas.

Mas há uma vital e profunda importância nas cadeiras, um significado ainda a ser desvelado. Dei-me conta disso em meio a um desses rituais que os estudiosos chamam de “aula”. Ao entrar na sala, pude ver que as cadeiras eram, na verdade, personagens da nossa própria história, reflexo de nossas próprias condutas, espelhos vivos dos nossos medos e desejos. Cada espaço da sala, preenchido por uma cadeira, era a marca de alguma existência, o testemunho de alguma presença materializada no espaço. Percebi que estava diante de uma platéia viva. Foi assim, no início de uma aula, que procurei pela primeira vez ouvir o que me tentava me dizer aquele profundo silêncio das cadeias da Faculdade de Direito.

Como um exército disciplinado, as cadeiras da Faculdade encontravam-se perfeitamente enfileiradas, voltadas para uma única direção. “Olhando” sempre para o mesmo quadro-negro (que na verdade é verde escuro); as rígidas cadeiras deixavam de ver o belo ocaso do Vale do Bairro Canela, uma cena única e marcante, embora considerada menor perante o respeitável mundo dos futuros juristas. Vi, nos olhares congelados daqueles assentos de plástico e ferro, parte de nossa cegueira cotidiana para as coisas simples e belas. Talvez o ocaso, aquele que ocorre ao lado das salas todos os dias, seja o único a guardar a força e o mistério do ato de aprender.
Entrando nas salas, além das posições únicas, algo mais grave ocorria com as cadeiras. Elas, em sua totalidade, estavam pregadas ao solo. Assim como parte do direito “ensinado”, as cadeias passavam a me revelar, com uma nitidez incrível, a crença de estaticidade que permeia o ideário tradicional do jurista. E como se nada acontecesse − porque na verdade cadeiras são apenas cadeiras −, deixamos que isso ocorra, acostumados com uma única posição, entorpecidos com a falsa segurança dos pregos de aço que nos fixam ao chão.

Mas talvez esses sinais permaneçam propositalmente ocultos à nossa brilhante inteligência jurídica. É preciso ser louco para ouvir o silencio das cadeiras, e toda loucura é o inicio de algo novo. Ainda hoje, ao término das aulas, no apagar das luzes da Faculdade, tento ouvir e ver o silêncio das coisas, como se nelas estivessem verdadeiramente plasmadas as nossas intenções mais verdadeiras. O mármore branco, as placas de bronze, os livros de capa de couro, todos eles parte do que realmente construímos.

É possível que tudo o que percebi seja um delírio pessoal. Talvez cadeiras sejam realmente cadeiras. Mas, à noite, em reuniões clandestinas, quando os donos da verdade dormem e o Direito cochila, elas, as cadeiras, sonham ser algo mais. Querem sair do chão e voar, planando no Vale do Canela, sob a luz vermelha do ocaso. Porque sonhos são apenas sonhos, e isso já é o bastante.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

FRUTO PROIBIDO




Há quem goste de superfícies
Eu prefiro os vãos, os cantos, as fissuras antigas,
os abismos,
Aqueles espaços onde o musgo cresce lentamente

Há quem prefira amores perfeitos e finais felizes
Mas há os que preferem acreditar na beleza dos
anjos caídos
Que preferem acreditar apenas no risco, no risco de viver o imperfeito e o impreciso

Há quem goste da luz de Platão, mas eu prefiro os golpes de martelo de Nietzsche

Somos diferentes, por isso posso comer do
fruto proibido
Posso ser expulso do paraíso sem pestanejar
Assim posso ler nas entrelinhas do destino o riso jocoso do acaso
Posso, então, finalmente ser ridiculamente humano num mundo de homens iguais a monumentos de pó, de uma felicidade comprada em algum magazine

Há quem prefira palavras de carinho e juras de fidelidade
Eu prefiro o silencio do primeiro olhar
Aquele olhar que fere para sempre uma vida, que marca a ferro a pele da alma

Há quem goste da salvação eterna e verdades absolutas
Eu, de minha parte, prefiro apenas o abraço apertado de um amor fugidio
Um café bem quente (com açúcar)
E uma boa poesia

Vladimir Luz

domingo, 24 de abril de 2011

CRIAÇÃO




Após anos de trabalho, imensos conflitos pessoais, Charles deixa os manuscritos na mesa e diz: “Você decide [...] mas leia primeiro”. Emma, esposa dedicada e religiosa, vara a noite lendo o trabalho que consumiu seu marido e sua família por longos anos. De manhã, para surpresa de Charles, Emma entrega os manuscritos embalados e endereçados para a editora. Sua voz, grave, não tem rancor: “finalmente você me tornou sua cúmplice...”. Segue a cena final. No fundo de uma carroça simples, seguia o embrulho enigmático; seria mais uma encomenda como qualquer outra, se ali não estivesse o trabalho que modificaria definitivamente a forma de entender a vida. No fundo de uma carroça, saindo de um vilarejo qualquer, seguia mais que uma obra, mas a síntese do desafio humano de compreender a si próprio.

Há quem pense que o filme “Criação”(Creation), de 2009, dirigido por Jon Amiel trata da obra “A origem das espécies”, publicada inicialmente em 1859, de Charles Darwin. Isso é uma meia verdade. O próprio filme induz a esse engano, ao anunciar que tratará especificamente da história de como esse livro foi escrito. Penso que o filme Creation é mais do que isso. Minha análise é, obviamente, parcial e passional. Faço-a, inclusive, após verificar inúmeras resenhas sobre o filme de Amiel, as quais, em sua maioria, o que se aborda é apenas parte do que é relevante, pois estas desconsideram, grosso modo, o que é principal numa obra de arte, ou seja: não a trama racional, mas a experiência estética que ela é capaz de produzir.

O foco do filme é a vida pessoal de Charles Darwin (Paul Bettany), exatamente quando este decide reunir, compilar e sintetizar anotações feitas ao longo de anos de trabalho, os quais resultaram na obra “A origem das espécies”. O roteiro, em face desse argumento central, consolida-se a partir de flashs, reminiscências de Charles sobre suas viagens, os momentos específicos da vida do naturalista, como seus problemas de saúde e conflitos com amigos. As cenas, todas primorosas, mostram um homem inglês do seu tempo, vivendo intensos conflitos familiares, sofrendo com as desventuras da vida. O cerne artístico do filme, portanto, gira em torno das relações de Charles com sua família, em especial sua relação com a esposa Emma (Jennifer Connelly), e sua filha Annie (Martha West). Todas as cenas em que se insinuam uma explicação racional da seleção natural, ou nas quais ficam mais patentes os conflitos entre fé e razão, a base artística, o nascedouro estético são justamente os eventos familiares que se desdobram: a morte prematura de Annie, o distanciamento de Charles dos seus outros filhos, o amor de Emma impactado pela dor, pela culpa e convicções religiosas. Toda essa opção estética do enredo retira o peso simbólico que projetamos na aura do gênio, da teoria como algo fora de nossas vicissitudes humanas. Charles, acima de tudo, é um pai, um marido, um homem que sente dores; um homem que, ao tentar se equilibrar no fio frágil da vida, quase se deixou cair com o peso das desventuras.

No fundo de uma carroça singela seguia uma encomenda enigmática. O filme Creation trata dessa encomenda, é bem verdade. Mas a cena mais importante, a meu ver, é aquela que retrata o reencontro de Charles e Emma após a morte de Annie. Culpa, medo, tudo se sublima fortemente, e Emma diz: “mesmo sabendo tudo que sei agora, eu me casaria com você de novo amanhã”. O que faz da arte algo tão relevante quanto a ciência é isso: o seu poder misterioso de nos tornar participes de algo. Como disse no inicio, penso que toda resenha que destaca como ponto negativo do filme Creation esse lado emotivo e pessoal falhou feio. O filme é uma ode à sensibilidade, ao amor, à desventura e, também, aos desafios do conhecimento. Não perceber isso é não ver o ponto essencial: a ciência e a vida se unem no ponto cego em que o clichê e o absurdo se manifestam pela razão ou pela sensibilidade. Nossas vidas flutuam invariavelmente nesse ponto cego, por isso temos arte e ciência.

Fui, portanto, passional e parcial na minha breve análise. Pode até parecer ridículo, démodé, destacar o que destaquei como ponto alto do filme Creation, mas este filme me fez ir além da minha admiração racional pelo livro e pela teoria exposta em “A origem das espécies”. Creation me fez mais do que entender uma teoria; fez aquilo que toda grande arte deve fazer: não produzir verdades, mas gerar cúmplices.

Vladimir Luz (24/04/2011)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

PESSOAS

...






Pessoas interessantes estão em todo lugar
Pessoas especiais também

As pessoas interessantes se interessam em ser interessantes
As especiais são apenas elas mesmas do jeito que sabem ser

Pessoas são especiais porque são vistas assim por alguém
São normais, tem chulé, cara amassada quando acordam
Mas há algo que as torna especial, e isso é que faz a diferença

Pessoas interessantes são espelhos ambulantes de desejos
Personas instantâneas, fazem a diferença da massa normal
Ate o andar é diferente, têm brilho, um minuto de conversa vale por anos

Não há hierarquia moral ou afetiva entre essas pessoas
Nenhuma é melhor ou pior que a outra
Talvez sequer haja uma diferença palpável entre elas

O fato é que por vezes
... um transeunte desconhecido, um nome qualquer
Uma trombada na rua, uma ligação por engano
Olhares que se cruzam na multidão, um caminho errado
Tudo é um grande pretexto

O que fica mesmo de tudo isso é só uma coisa: o encontro

Só o encontro – essa aventura além da razão que calcula –
Justifica sermos o que somos
... interessantes ou especiais

Vladimir Luz

Pintura de René Magritte

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MEUS SOTAQUES E LÍNGUAS



Digo saudade com sotaque mineiro, saudade sonora de “ôce”
Vou peleiar com sotaque gaudério, com “erre” riscando o palato
Suspiro com sotaque baiano, silabas repletas de ar e de manha

Muitos são os meus sotaques

Meu mundo é suave como a língua de Cervantes
É dramático como a língua e Camões
E se quero minha reserva selvagem, viro som gutural germânico

Muitas são as minhas línguas

E quando o silêncio me acomete, por amor ou quem sabe distração
Quando a palavra e o som se ausentam, findam sem mais
Resta o projeto de nada que em mim verdadeiramente se encarna
Devir que se faz verbo

As muitas poesias que sou



Vladimir Luz

terça-feira, 5 de abril de 2011

GAUCHE





Doce olhar de deboche
Com o qual me deparo todos os dias
Todos os dias ... todo santo dia

Até quando?

Esses semblantes sérios e jocosos
Que fazem a vida seguir sempre mais crua
Esses burocratas com seus ritos de sempre
A tratar o diferente como peças que se descartam sem mais
Burgueses que nem mais conseguem ser mecenas

Até quando?

Ficar imune aos
Risos mesquinhos de canto de boca
Adágios de maledicência ditos nos becos
Dedos em riste
Venenos preparados de véspera
Credos que não suportam o próprio desejo

Doce olhar de deboche
A reforçar que sou um “clow” num mundo de heróis
Que todo dia, todo santo dia
Dá-me a certeza
de que lado estou
de que lado quero estar
E o que não quero ser


Vladimir Luz

quarta-feira, 30 de março de 2011

AMOR "AD HOC"



Quero essa sede de amar que se faz sem rotina
Tão ridícula, tão fraca diante de todos os fortes
Quase agachada diante dos faróis das convenções


E que se dane essa artimanha calculada, essa palavra ensaiada
A estranhar o erro contumaz do aprendiz
A matar o improviso do amor acidental
Esse amor que não se sabe onde se esconder

Amor que tropeça, cai e ri

Exatamente isso é amar: tropeçar, cair e rir



Vladimir Luz

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

MATURIDADE

O que mais temo na vida não é a morte

Não por coragem, mas por pura preguiça existencial

Pensar na morte dá um trabalho danado ...

O que me aflige, em verdade, é ficar assim, incrédulo

Tentando achar o que aconteceu nos caminhos e descaminhos

Remoendo venturas e desventuras

Um ceticismo tardio, um realismo sem gosto

Tenho medo de que não consiga mais ter ilusões

De ser completamente normal

De buscar o conforto para uma morte anunciada

De ter que olhar o olhar de deboche dos realistas, e, ainda assim, sorrir

Receio acreditar nas máscaras da vida mais que em mim

Ser indiferente como índole, como uma estratégia típica de vencedor

O que me salva

É que nenhuma razão, nenhuma explicação resolve tudo isso de uma vez

Nada me salva dessa maturidade

Eu, uma criança que acorda do coma de quarenta anos

Abre os olhos e diz:

“sorvete”?


VLADIMIR LUZ

21.02.2011

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Benjamin Button



Além dos efeitos de maquiagem e um roteiro razoavelmente bem costurado, o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” (The Curious Case of Benjamin Button) tem o mérito de abordar de maneira singular o tema da finitude humana. Benjamin era diferente. Enquanto todos nós cumprimos uma trajetória existencial, marcada pelo nascimento, envelhecimento e morte, Benjamin já nasceu fisicamente velho e progressivamente ia rejuvenescendo. Enquanto seu corpo tomava, pouco a pouco, ano após ano, forma juvenil, todos os outros, seguindo o roteiro “natural”, invariavelmente envelheciam e morriam. O filme todo propicia, portanto, uma reflexão não só sobre a “curiosa” e bizarra situação de Benjamin. O que está em debate, no fundo, é a nossa característica humana mais humana: o fato de sermos os únicos, como diria Heidegger, lançados no mundo com a consciência do fim.

O tema da finitude, desde os Gregos, tem sido o ponto e o contraponto da filosofia. Para Luc Ferry, toda filosofia clássica gravita em torno da questão da vida e da morte. Afinal: se a morte é um fato inescapável, como viver plenamente? Qual o sentido da vida, já que o fim é certo? Como devo agir? Para quem acha que se trata de “papo furado” de filósofo, a questão da finitude é democrática: atinge a todos sem exceção. Explico. Conscientemente ou não, de forma mais elaborada ou não, todos nós agimos e pautamos nossas trajetórias pessoais a partir desta certeza de que o tempo limitará nossas vidas. Até mesmo quando nos omitimos, dirão os existencialistas, estaremos decidindo nossa existência. Nós humanos, intelectuais ou não, homens e mulheres, pobres ou ricos, portanto, pautamos nossas vidas a partir deste tema. Obviamente, o mundo moderno e ocidental busca sublimar a angústia de tema tão aparentemente sinistro. Afinal, além da certeza do fim, a morte nos separará de quem amamos, além de vir, na maioria das vezes, sem aviso. Diante do inevitável, dirão os “realistas”, a vida segue, com enconros e desencontros. Sobre este aspecto, o filme, em forte medida, é também uma bela história de amor; uma história premeditamente condenada ao desencontro.

Algo mais. Diante do fim, da decadência do corpo e do imprevisto, o que fazer? Parece que um mundo, como o atual, que nega a morte e a velhice, entendendo-as como antíteses da condição humana, será um mundo que também negará, como pensava Nietzsche, a própria vida. Em algum lugar um raio cairá em alguém, um amor se fará e separações serão inevitáveis. O mais curioso é que o relógio, indiferente a tudo isso, não para.

Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC

sábado, 5 de fevereiro de 2011

MINHA ORAÇÃO



Vinde ...


E que tudo seja instante

Soluço de viver, fome de sentido

Solo úmido a apontar caminhos: encruzilhada.

Do lado direito, raiz de tudo

Do lado esquerdo, ilusões necessárias

Defronte apenas salto, início


Vinde, pois, agora


Mãos atadas, mãos na fronte

Abraços que virão, noites que serão noites

Chuva que leva o que não foi dito

Gozo e dor como irmãos


Vinde ...


Como um verso não-escrito

Projeto de si, alegoria

Pois não há sina

Sem o ser que se faz sem poesia

Agora, sempre e nunca

Amém


Vladimir Luz
26.01.2011

Foto: Sebastião Salgado

DIÁRIOS DE MOTOCICLETA

Mirando o outro lado, ele se jogou nas águas escuras. Ninguém havia antes atravessado a nado aquele rio caudaloso. Era noite, apenas pequenos pontos de luz eram avistados. Quem oesperava na outra margem? Por que, afinal, atravessar o rio?



Dizem que imagens falam mais que palavras. E quando imagens se fundem a palavras e
música, uma estranha magia se realiza. Por isso, o cinema, o teatro e a dança são linguagens poderosas. A cena retratada é uma das muitas do filme de Walter Salles, “Diários de motocicleta”, o qual, passada a euforia de seu lançamento e os holofotes da mídia, ainda nos faz ir além do dito e penetrar no profundo mistério do não dito. Apesar do seu célebre personagem, a trama autobiográfica do filme é feita de simples elementos: dois amigos, uma motocicleta e a América Latina como cenário. A simplicidade da trama tem, no fundo, a profundidade típica das estórias que nos comovem. Comover é um movimento interno, acontece precisamente quando nos movemos juntos (co-movemos), mobilizados por coisas que aparentemente nos são distantes e estranhas. Por isso, mesmo aqueles que não simpatizam muito com a imagem popular de Che Guevara, o guerrilheiro, podem se sensibilizar com Ernesto, o estudante de medicina, asmático, que, nas suas trilhas tortuosas com “La Poderosa”, percorreu quilômetros para encontrar algo inusitado.

“Diários de motocicleta” tem, portanto, o mérito de ser um o espelho, a partir das lentes de Salles, de algumas imagens cruciais na vida de Ernesto e de seu amigo Alberto Granado. Imagens que fazem pensar. No seu caminho, Ernesto brigou com o amigo, meteu-se em confusão, calejou os pés, viu a dor humana exposta na carne viva, ouviu o lamento dos excluídos, leu Mariátegui, contemplou a contundência da beleza e da crueldade, ambas feitas pela mão dos homens. Um dia, no turbilhão de sua existência, Ernesto tomou uma decisão fundamental. Este é um dos méritos de Salles: ter escolhido cenas que reverberam silenciosamente em nossa existência, porque mostram que, lá no íntimo, tudo que nos cerca é meio, simples caminho.

Ao seu lado, Ernesto teve um amigo e uma velha motocicleta. Tudo foi apenas um pretexto. O que Ernesto sempre quis encontrar era Guevara. Melhor, reencontrar, pois ambos sempre foram unos, mas precisavam, como rito de vida, atravessar o outro lado do rio. O que há na margem do outro lado? Apenas o outro, a humanidade em potencia, ou o reflexo vivo de nós mesmos. No fundo, a grande revelação do filme de Salles também está na cena final: os olhos de Ernesto, antes de entrar no avião, após finalizar a sua saga, não eram os mesmos. Simples o recado: depois que se atravessa o rio, não há volta.

sábado, 29 de janeiro de 2011

CRASH - NO LIMITE




“João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém”. Uso como pretexto esse famoso trecho do poema “Quadrilha” de Drummond para pensar metaforicamente não apenas os vínculos de afeto, mas também as inúmeras teias que formam as relações de poder em toda sociedade. Até pouco tempo, a questão das relações de poder era vista de maneira bem simples e esquemática: dominantes X dominados. Essa “grande equação”, que por vezes levava àquela outra do bem X o mal, contudo, pode revelar certas simplificações, justamente porque também é possível entender o poder, a dominação entre sujeitos e as relações de subordinação como elementos de um campo muito mais complexo de interesses. Nesse sentido, o premiado filme “Crash – No Limite” oferece um rico quadro de análise.

Crash, ganhador do Oscar de melhor filme em 2006, é resultado de um engenhoso roteiro que mescla de maneira inteligente várias estórias entrecruzadas. O cenário é a cidade de Los Angeles (EUA) e os conflitos entre seus habitantes de diversas etnias, profissões e classes sociais. Cada uma dessas estórias traz algo em comum: no fundo, são estórias que revelam conflitos de poder e de tolerância. Algumas delas são exemplares. O policial racista que humilha um casal de negros, mas também não consegue para seu pai um tratamento de saúde que dependeria de uma atendente negra; Os asiáticos que fazem contrabando de asiáticos, o árabe (persa), discriminado por sua origem, mas que destila seu ódio em um latino. E, uma das cenas mais curiosas, a “dondoca” (Sandra Bullock) que oprime sua empregada, Maria, mas, na hora em que mais necessitou, foi desta, e não de suas “amigas”, que obteve solidariedade. Em todas essas situações, os personagens revelam a paradoxal situação de serem opressores e oprimidos, intolerantes e intolerados.

Calma, essa percepção “horizontal” do poder não elimina a idéia anterior, do poder como algo também exercido coletivamente e pelo próprio Estado. Todavia, Crash ressalta a idéia de uma “microfísica do poder”, na perspectiva do pensador francês Michel Foucault. Para Foucault, o poder não é monopólio de uma instituição nem é exercido unilateralmente. O poder, tal como o amor, envolve a tudo e a todos. O poder não está fora dos sujeitos e de suas mais intimas relações. Parafraseando o poema “Quadrilha”, o poder envolve João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim, Lili e até “J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”.





Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

PAGAMENTO FINAL




Por que vemos filmes que já sabemos o final? Vários poderiam ser os motivos. Gostaria de apresentar apenas uma razão. É que, tal como nas tragédias gregas, o que nos fascina em certas estórias não é o seu final, em si, mas a teia psicológica de fatos que forma um fio tênue entre o não planejado, a escolha e o destino, e que conduz a um final já sabido ou intuído. O sensacional filme “Carlito’s Way” (1993) de Brian De Palma é um bom exemplo desta explicação de cunho filosófico-literário.



Carlito Brigante (Al Pacino) é um bandido “das antigas”, traficante de heroína que passou bons anos na prisão. Solto pela habilidade e astúcia do seu advogado e “amigo”, David Kleinfeld (Sean Peen), Carlito volta às ruas decidido a se redimir da vida criminosa. Contudo, Brigante percebe que os tempos são outros. Mesmo tentando não se meter em encrencas, Carlito vive com a sombra do seu passado. Um dos problemas centrais é que, no seu código de “ética” (Carlito’s way of life), há uma dívida de honra a ser paga a seu advogado (talvez por isso a infeliz versão do título em português, “Pagamento Final”). Ocorre que Kleinfeld precisava sempre de seus favores, a maior parte deles ilícitos, e cada vez mais Carlito ia sendo “atraído” e embaraçado nas redes dos seus atos. Ao longo da narrativa, é possível intuir, portanto, que o final não será feliz para Brigante, mesmo que o seu desejo fosse apenas vender carros e fugir para o “Paraíso” com sua namorada Gail (Penelope Ann Miller). Todo o filme é uma aula de cinema. Direção e roteiro primorosos, movimentos de câmera que aumentam a tensão psicológica, além da espetacular atuação de Sean Penn no papel de Kleinfeld. Qual a relação desta trama com as tragédias gregas?


.A primeira cena do filme mostra Carlito sendo baleado, e a narrativa já se desenvolve com o foco da câmera acompanhando o personagem ferido sendo conduzido em uma maca. Estaria, já na primeira cena, anunciado o destino de Carlito Brigante? As tragédias gregas são universais e atuais porque nelas identificamos uma questão existencial básica, pois, afinal, somos realmente condutores de nosso destino? Brigante, tal como Édipo e outros personagens clássicos, espelha essa figura simbólica, o herói trágico, que representa aquele que luta contra o caprichoso destino. Por isso, nessas estórias, não é o final previamente anunciado que nos fascina, é o caminho, a percepção do ponto obscuro das conseqüências, do nexo às vezes sutil entre atos e omissões, entre a vontade e o acaso que envolve os personagens que nos faz pensar. Com esses personagens todos nós nos identificamos subjetivamente porque também participamos do mesmo dilema humano, ou seja: ser personagem de uma saga que, mesmo com final anunciado desde que nascemos, não deixa de ser um grande (e belo) mistério.

Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC

MENINA DE OURO




Em recente entrevista, o biólogo Richard Dawkins fez uma polêmica afirmação: “… ao contrário do meu cão, do seu cavalo ou de seu gato, eu não terei o privilégio de ir ao veterinário tomar uma injeção indolor para dormir. Eu quero morrer sob anestesia geral, mas, por ser humano, faço parte da única espécie que está proibida de fazer isso.” Morte, sofrimento e escolhas. Temas importantes que são muito bem incitados pelo premiado filme “Menina de Ouro” (Million Dollar Baby) de 2004. A trama principal se desenvolve a partir de três personagens: a boxeadora Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), o zelador Eddie Dupris (Morgan Freeman) e o treinador Frankie Dunn (Clint Eastwood), este último ator também responsável pela direção do filme.

Frankie era um veterano treinador de boxe de poucas palavras, olhar severo, estilo old school. Na academia de boxe trabalhava como zelador Eddie, ex-boxeador treinado por Frankie, que ficara cego de um olho em uma luta. Tudo muda quando Maggie entra definitivamente na vida desses dois veteranos do mundo do boxe. Maggie decide ser treinada por Frankie, e faz de tudo para que o velho turrão a aceite. Com o apoio de Eddie, Maggie convence Frankie a finalmente treiná-la. Daí em diante a trama cresce em intensidade, pois a persistente Maggie passa a vencer todos os desafios, um a um, dando um sopro de esperança, ainda que velado, àqueles velhos homens marcados pelas agruras dos ringues. Maggie, antes uma desconhecida garçonete, passou a ser uma pugilista vencedora chamada enigmaticamente por Frankie de “Mo Cuishle”. Ocorre que Maggie, em sua luta decisiva para seu triunfo, sofre um revés do destino que muda a vida destes três personagens. Nessa luta final, após um golpe sujo da adversária, Maggie fica tetraplégica.

Tanto quanto a própria vida, a morte humana é também cercada de valores e tabus. A forte provocação de Dawkins toca justamente nessas feridas morais que nos rondam há séculos. O que faria Frankie diante do pedido de Maggie, da sua súplica para ajudá-la a morrer? Tendo no centro da trama esta difícil escolha, o filme revela toda força simbólica do cinema como instrumento do pensar. Na penumbra do hospital, maleta na mão, Frankie ensaiou um beijo. Foi tudo ardentemente condensado, um instante pálido, corpos equidistantes. E dos velhos lábios, enfim, foram sussurradas as palavras cerimoniais, a-morais, o significado contundente de tudo, o que era realmente importante: “Mo Cuishle” – “meu tesouro”, “meu sangue”.

Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC (Publicado no Jornal da Manhã- Criciúma)

O LEITOR

Culpa, memória e perdão. Três idéias seminais, materializadas em atitudes e valores que marcam decisivamente nosso laço social. Não há duvida que o nosso mundo ocidental foi simbolicamente construído a partir dos desdobramentos atribuídos a essas três palavras, basicamente das oposições entre culpa e pecado, bem e mal, verdade e ilusão, condenação e perdão. É sobre todo esse material intensamente humano que trata o filme “O leitor”, baseado no romance homônimo de Bernhard Schlink. A questão central posta por Schlink é seguinte: diante da evidência da culpa de quem se ama, seria possível o perdão?



Alemanha hitlerista. Aos quinze anos de idade, Michael Berg se apaixonara pela já madura Hanna Schimtz. Tudo se deu ao acaso, quando Hanna o socorreu após um mal estar num dia de chuva. Padecendo de hepatite, após longo repouso, Michael foi reencontrar e agradecer aquela mulher misteriosa que prontamente o ajudou. Nos rotineiros encontros que se seguiram, Hanna curiosamente lhe pedia que lesse os livros que estudava no colégio. Michael foi o seu amante e seu leitor. Ao longo da película, Michael, já adulto, relembra todos esses instantes de leitura, sexo e paixão em flashbacks. Após a partida repentina de Hanna, ele foi estudar direito em Heildelberg, quando, após a Segunda Grande Guerra, numa de suas idas como estudante para o julgamento de nazistas, viu que o seu antigo amor estava agora no banco dos réus. Hanna, mesmo diante da pressão pós-Guerra, pois admitia sua participação na seleção de mulheres no campo de Auschwitz. E quando indagada pelo juiz da causa do por quê de não ter aberto a porta de uma igreja em chamas para salvar prisioneiras da morte, disse: “O que o senhor teria feito, então”? Hanna foi condenada à prisão perpétua.


“O Leitor” não é uma obra apenas sobre o nazismo ou as contradições entre a moral e o direito, entre o dever e a justiça. Há algo de extremo na memória de Michael, algo muito mais forte do que a culpa que Hanna talvez nunca tenha sentido. Toda essa reflexão faz lembrar uma outra “Hanna”, a pensadora judia Hannah Arendt, que por ironia do destino amou Heidegger, o grande filósofo que aderiu ao Reich. Heiddeger, apesar de todo clamor, nunca se desculpou, e Arendt, apesar disso, sempre o amou. Talvez o amor seja isso, um esquecimento sem culpa, um silêncio sem dor, um desencontro que não precisa de perdão.


Vladimir Luz, professor do cusdo de Direito da UNESC. (Publicado no Jornal da Manhã – Criciúma)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

PIERRE FATUMBI VERGER




Qual o sentido da vida? É possível determinar, racionalmente, as conseqüências de nossas escolhas? Estamos livres ou atados ao destino? Uma maneira possível de se pensar essas embaraçosas perguntas está em se perceber o sentido poético de algumas trajetórias singulares que marcam tantas outras vidas. Dessa perspectiva surge o exemplo da vida de Pierre Verger, tão bem retratado no documentário “Pierre Fatumbi Verger: Mensageiro entre dois mundos”` (1998) de Lula Buarque de Hollanda, com a narrativa de Gilberto Gil.

Pierre Verger era como todo jovem francês de classe média dos anos de 1920: oriundo de uma formação clássica, racionalista, um alegre “bon vivant”. Depois de largar os estudos aos 17 anos, com a morte de sua mãe, já aos 30, Verger inicia sua saga de viagens pelo mundo. Máquina Rolleiflex na mão, desde então surge uma das suas maiores facetas. Com sua lente sensível, Verger registrou como ninguém a beleza da diversidade humana, fotografando as culturas mais remotas do globo. Essa sensibilidade estética o fez chegar nos dois pólos de sua vida: Bahia e África. O francês, racionalista e burguês, de viajante passou a ser parte de sua aventura, passou, ele próprio, a ser sujeito das culturas que soube, com zelo e respeito, registrar e reverenciar. Após morar vários anos na África, nasce um outro Pierre Verger, o “Fatumbi”, que significa ser o renascido pelo jogo de Ifá. O documentário é rico em imagens e depoimentos, revelando a beleza dessa trajetória, com a narrativa cuidadosa de Gilberto Gil, que seguiu os caminhos de Fatumbi na Bahia e na África.

Verger deixou um forte legado para etnografia, livros, reportagens que hoje são acervo da humanidade. Mais há algo de maior valor. O que a trajetória de Verger pode nos deixar como parâmetro para se pensar a vida, as escolhas, o destino e o sentido poético de existir? Ao se reportar à vida do ator Raul Cortez, Contardo Galligaris afirmou que a qualidade de uma vida se mede pela ação do protagonista que “... seja qual for a distribuição das cartas pelo acaso ou pelo destino, ele jogou bem porque jogou sem medo de jogar.” Nem acaso nem destino, tampouco puramente escolhas racionais, isso espelha Verger: fazer da vida uma existência poeticamente corajosa consigo mesmo, e nada mais.


Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC. (Texto publicado no Jornal da Manhã - Criciúma)

P.s. Quando for a Salvador não deixe de visitar a Fundação Pierre Verger. http://www.pierreverger.org/fpv/index.php?option=com_frontpage&Itemid=1

sábado, 15 de janeiro de 2011

EM SALVADOR





Foto de minha sobrinha, Júlia Luz Brito

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

VLADIMIR SAFATLE - FRAGMENTOS

" Quando questionamos a relevância das ciências humanas, questionamos, no fundo, a importância de compreender o que está por trás de fenômenos como: a modificação na estrutura da autoridade paterna no interior das famílias (psicologia), a participação de grandes grupos econômicos na gestão da ditadura militar (história), as consequências das modificações na estrutura da sociedade do trabalho (sociologia), os impasses de nossas democracias contemporâneas na sua procura de dar realidade institucional a exigências sociais de reconhecimento (ciências políticas), o impacto dos desenhos animados na construção da criança como categoria da sociedade de consumo (estudos de mídia), o que está por trás da nossa “construção” do Oriente etc. Mas talvez a questão seja: sobre esses fatos, há algo que não queremos saber, há algo que preferimos não saber. Só assim poderemos perpetuar nossas formas de vida, mesmo que elas estejam profundamente desgastadas."



* Vladimir Pinheiro Safatle é professor de Filosofia no departamento de Filosofia da USP.
[Este artigo foi publicado originalmente na revista Cult, de 03/08/09, edição

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

CHARLES BUKOWSKI




"O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece"

É ... Nicolelis... poderia ser pior, acredite. - Fragmentos

ENTREVISTA COM MIGUEL NICOLELIS

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios – marcadamente políticos – que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.


"Como você se vê na Academia?

Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil é uma obsessão para mim. Há muita gente que não faz e não quer que ninguém faça, pois o status quo está bem. Tenho excelentes amigos na academia do País, respeito profundamente a ciência brasileira. Sou cria de um dos fundadores da neurociência no Brasil, o professor César Timo-Iaria, e neto científico de um prêmio Nobel argentino – Bernardo Alberto Houssay.

Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão.



Operamos com um sexto do nosso orçamento. As pessoas têm medo de abrir a boca, porque você é engolido pelos pares
. Então, eu fico imaginando um pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar lá fora. De qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale… Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos para o umbigo e mais para a sociedade."

Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-diz-que-sofreu-sabotagem-nos-bastidores.html

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

PEDRO DEMO - FRAGMENTOS II

"A nova LDB, infelizmente, consagrou a idéia obtusa da educação como ensino, instrução, treinamento, tendo como seu parâmetro mais ostensivo o aumento dos dias de aula para 200 no ano, como se a aprendizagem melhorasse pela via da acumulação das aulas . Ledo engano. O aluno que perde aula no fundo não perde nada, se a aula apenas reproduzir conhecimento superado. Dificilmente encontramos em nosso meio a aplicação de processos reconstrutivos, com base em pesquisa e elaboração própria no aluno, e em orientação e avaliação no professor. Quando pensamos em melhorar o ensino, pensamos logo em melhorar a aula, no fundo apenas incensando defunto, como é em grande parte a experiência banal das teleconferências: não passam, quase sempre, de uma aula mais enfeitada. Por outra, investimos também em outras instrumentações, úteis em si, mas que, sem o devido cuidado educativo, propendem a repisar o caráter reprodutivo de nossa didática, como o computador, a parabólica e mesmo o livro didático. Na verdade, o fator externo mais fundamental da aprendizagem do aluno é de longe o professor. Se este não souber aprender, não saberá fazer o aluno aprender. Sua tarefa essencial não é dar aula – qualquer um dá aula – mas fazer o aluno aprender."

Fonte: ftp://ftp.cefetes.br/.../TELEDUCAÇÃO%20E%20APRENDIZAGEM.doc

PEDRO DEMO - FRAGMENTOS



A pesquisa supõe uma reelaboração do conhecimento, ou seja, deve vir acompanhada de um processo de apreensão do conhecimento. Como a educação reconstrutiva concilia pesquisa e ensino?

Pedro Demo - Vamos colocar de outra maneira: você precisa de informação e de formação. Você não aprende sem vasculhar o que já está disponível. Mas a educação não é propriamente isso. Isso é meramente um processo informativo que pode ser feito pela eletrônica. Nem é preciso professor para meramente transmitir conhecimento. Mas o professor é absolutamente necessário para o processo reconstrutivo, como orientador, avaliador do aluno. A perspectiva muda bastante. O que nós estamos acostumados a ver no dia-a-dia é a proposta instrucionista, baseada no ensino, na instrução, no treinamento. Isso não é educação. Também é importante, também faz parte, mas o nível educativo se atinge realmente quando aparece um sujeito capaz de propor, de questionar. Precisamos de pesquisa e elaboração própria. São dois conceitos nos quais eu insisto bastante.

Fonte: http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0035.asp

Warat - Fragmentos II

Captura: Voltando à questão anterior do sujeito. Acredito que existe um dado que deva ser considerado, que vem sendo trabalhado por muitos autores como Derrida e Deleuze, que é a questão da subjetividade. Entendo que a subjetividade é constitutiva do sujeito. Como entender a subjetividade desgarrada do sujeito?

Warat: Não há nada além do desgarro. A subjetividade é constituída de fluxos desgarrados. Somos um devir constante. Tanto assim que você agora não é a mesma que estava sentada aí há dez minutos. Essa pessoa já não existe mais.
Porque a pessoa que está aí é diferente daquela que estava sentada há dez minutos e também será diferente daquela que irá embora daqui a meia hora.

Captura: Mas ao mesmo tempo são a mesma pessoa.

Warat: Como uma ficção. Você constrói a ficção de uma identidade na desigualdade. Você quer congelar o devir para deixar que teu corpo tenha alguns referentes fixos. Isso é uma ilusão. Muitas pessoas vivem essa ilusão.
Eduardo, Marta, vocês não existem. Eu também não existo. O mundo é um sistema de ilusões. E tentar sair desse sistema para ter uma mirada crítica também é uma ilusão. É claro que necessito ter algumas ilusões, porque senão não resta nada. Porém, o que existe além das ilusões? Nós temos que inventar um sentido para nossas vidas.


Fuente:
Revista CAPTURA CRÍPTICA: direito, política, atualidade. Florianópolis, n.2., v.2., jan./jun. 2010Revista Discente do Curso de Pós-Graduação em Direito - Universidade Federal de Santa Catarina
http://www.ccj.ufsc.br/capturacriptica/n2v2.htm






Fonte
http://luisalbertowarat.blogspot.com/2010/01/entrevista-luis-alberto.html

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

"O juízo crítico se desenvolve mais
pela forma como se ensina do que pelo conteúdo do que se ensina.
Mas a falta ou o excesso de conteúdo, por exemplo, contamina a
forma. A relação entre forma e conteúdo é igualmente dialética e é
sua justa mediação que dá ao educando condições de, por um lado,
aprender a agir autonomamente dentro de um marco de referência
universalista para, por outro lado, habilitá-lo a se desenvolver na sua
particularidade. É essa condição que permite ao indivíduo autônomo
tanto sua autodeterminação quanto sua auto-realização, seja colocando-
se da perspectiva ética de membro de uma comunidade em devir,
seja pela afi rmação de seu próprio valor por meio de atividades
criativas, como as ciências ou as artes."

Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me004370.pdf

WARAT - FRAGMENTOS



"RF - O Sr. defende seus pensamentos partindo de um princípio pessimista ou realista?
LAW - O princípio fundamental é o Anarquismo. Sacanagem pura, no autêntico sentido do anarquismo.
.
CF - Para prevenirmos a violência, existe algum caminho, na sua concepção?
LAW - Sim. Colocando poesia e beleza na convivência das pessoas.
.
CF - Como o Sr. define a Anarquia?
LAW - Uma luta permanente contra os meios de comunicação que nos imbeciliza, contra as instituições que nos imbeciliza, contra a religião judaica, muçulmana e o cristianismo que nos imbeciliza. É nossa forma de pensamento porque somos ateus.
.
CF - Como vamos conseguir introduzir os valores na humanidade se não através da religião, da cultura e da educação?
LAW - Essa pergunta me deixa claro que você precisa rapidamente ser tratada.
.
CF - Mas então qual é o caminho?
LAW - Através da sensibilidade, recuperando a animalidade, pois somos animais racionais.
.
CF - Através da arte, é isso?
LAW - Sim.
.
CF - Mas a religião também pode trabalhar a sensibilidade, não?
LAW - Não. Ela manipula a sensibilidade!"

fonte: http://tailinehijaz.wordpress.com/2011/01/03/entrevista-irada-com-warat/#comment-378

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

UNIVERSIDADE POPULAR: MICHEL ONFRAY

Fragmento de entrevista com Michel OnfraY



As escolas foram associadas à domesticação do indivíduo. Essa idéia ainda é válida?

M.O- Mas claro. Penso que as escolas não funcionam senão com isso e para isso. Elas não fabricam senão indivíduos dóceis, obedientes, form

atados, que pensam o que os outros mandam eles pensarem, da forma como mandam. Elas ensinam o que é necessário para reproduzir o sistema social. A Universidade Popular é uma alternativa a isso.
- Hoje, qual seria a função do professor?Onfray -

M.O- O professor é aquele que conduz, que aponta o norte, o sul, e depois diz ao aluno: 'Vire-se você, faça o seu próprio caminho'. Nietzsche dizia que um bom mestre é aquele que ensina os alunos a se desligarem dele. Então é preciso ensinar as pessoas a se desligarem de seus mestres, a serem mestres de si mesmas. É um estranho paradoxo, mas nós, professores, somos feitos para não existir. O que interessa é que as pessoas tenham uma relação direta com a filosofia, na qual eu serei apenas um mediador. Eu sou feito para desaparecer.-

O sr. acha que a escola deveria mudar?

M.O. - A escola deveria ser um lugar onde as pessoas tivessem vontade de estar, de ir e vir, um espaço mais ligado à vida da cidade, com cinema, cafés, bibliotecas, lugares de conferência. A escola se abriria para o mundo do ponto de vista arquitetural, mas também colocaria o saber mais em consonância com as necessidades da época, trazendo valores integrais e proposições que permitissem, por exemplo, discutir o que é o monoteísmo. Será necessário aprender sobre Carlos Magno? Será que não se deveria aprender outra coisa, de outra forma? Penso que há outros conteúdos, outros métodos, que poderiam ser adotados, bem como um novo modelo de frequência, de modo a permitir dizer ao aluno: 'Construa você mesmo o seu aprendizado'.


O que é o saber, hoje, depois que se aprende a ler, escrever e contar?

M.O- É preciso aprender a pensar e a reunir a isso todos os saberes que permitem conhecer. Eu não estou certo que o trabalho de memória sobre um certo número de fatos seja útil para pensar. Então que se trabalhe a retórica, a argumentação, a lógica, a construção de um discurso e de uma proposição. São coisas que se pode aprender, mas que não se aprende. A gramática acabou nas escolas. Imagino que se possa reunir o clássico e o moderno, ensinando também o que é ecologia, informática, biotecnologia etc.

VEr a íntegra: http://brigadasinternacionais.blogspot.com/2007/11/entrevista-michel-onfray-191107.html#links