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Todas as manhãs, um ritual: o cheiro inigualável do café. Mesa posta. A “farda” do colégio já estava passada. Eu ainda ficava na cama por algum tempo. Meticulosamente, para que eu pudesse dormir um pouco mais, ela colocava as minhas meias, bem devagar, e eu, mesmo acordado, fingia estar dormindo. No caminho da escola, ela me dava a mão. Uma mão áspera de quem passou pelos fardos da vida; mas uma mão igualmente terna e segura, de quem queria, até com excesso, zelar e guiar os Seus. O caminho era curto, mas lembro de cada passo. É assim que me recordo das manhãs com minha Vó Conceição. De tudo que passamos doravante, as brigas, os conflitos, resta ainda essa imagem, a do menino que fui, franzino, acanhado, que ia para escola todas as manhãs com um sentimento único: o de não estar sozinho no mundo. Até hoje quando sinto aquele cheiro inigualável de café, quando rumo para o trabalho, e me acomete um certo estranhamento da vida – sensação de quem pensa muito nas coisas desse mundo – relembro de quando ela me dava sua mão. Então, sem pensar, sigo, sigo...
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
sábado, 18 de setembro de 2010
IRA III (Da série: meus pecados prediletos)
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A tua palavra transpira medo
Medo de ser como eu sou
Medo de não poder não ter medo
Medo de não poder deixar de se esconder em bem-estares
Medo do teu desejo que cedeu às convenções
Medo dos teus sonhos que cederam à vida burguesa
Medo de olhar opções que não foram as tuas melhores opções
Eu, o indigno, o impuro, o sujo, sou o alvo do teu medo
Atira, então, a primeira pedra do teu medo
Atira de forma rápida e certeira o petardo do teu rancor-moral
porque assim teu medo se transformará na moral pálida de muitos
Muitos gritarão contigo: morte ao herege!
Age, outrossim, como um filisteu, com um hipócrita, como um medíocre
Vive, ao lado dos teus, do teu gado, dos acomodados, dos normais
Rumina toda essa grama podre de veleidades colhida no pasto da tua vida caiada de branco
Vai, como Catilina, tecer intrigas, bisbilhotar à noite, afiar facas e preparar venenos
Pois eu, como Giordano, prefiro queimar a ter cravado no peito a lança do teu perdão imundo
E que a morte nunca chegue ao teu leito
É melhor que vivas eternamente
Sejas feliz para sempre – e com medo
Vladimir Luz
A tua palavra transpira medo
Medo de ser como eu sou
Medo de não poder não ter medo
Medo de não poder deixar de se esconder em bem-estares
Medo do teu desejo que cedeu às convenções
Medo dos teus sonhos que cederam à vida burguesa
Medo de olhar opções que não foram as tuas melhores opções
Eu, o indigno, o impuro, o sujo, sou o alvo do teu medo
Atira, então, a primeira pedra do teu medo
Atira de forma rápida e certeira o petardo do teu rancor-moral
porque assim teu medo se transformará na moral pálida de muitos
Muitos gritarão contigo: morte ao herege!
Age, outrossim, como um filisteu, com um hipócrita, como um medíocre
Vive, ao lado dos teus, do teu gado, dos acomodados, dos normais
Rumina toda essa grama podre de veleidades colhida no pasto da tua vida caiada de branco
Vai, como Catilina, tecer intrigas, bisbilhotar à noite, afiar facas e preparar venenos
Pois eu, como Giordano, prefiro queimar a ter cravado no peito a lança do teu perdão imundo
E que a morte nunca chegue ao teu leito
É melhor que vivas eternamente
Sejas feliz para sempre – e com medo
Vladimir Luz
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
OLHAR
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Meu lado direito é o melhor lado
Nele você me vê como sou
Do lado esquerdo, apenas os sonhos
De frente, máscaras que sorriem
Mas você, sabe-se lá como, é capaz de me ver
Num instante, parco e miúdo
Num riso, terno e irônico
Deixo de ser quem eu sou
Fico mudo
Parado
Como se fosse apenas um vazio sem dono
Um pretexto
Uma desculpa esfarrapada
Um sinal que diz: olhe para o lado
Vladimir luz
Meu lado direito é o melhor lado
Nele você me vê como sou
Do lado esquerdo, apenas os sonhos
De frente, máscaras que sorriem
Mas você, sabe-se lá como, é capaz de me ver
Num instante, parco e miúdo
Num riso, terno e irônico
Deixo de ser quem eu sou
Fico mudo
Parado
Como se fosse apenas um vazio sem dono
Um pretexto
Uma desculpa esfarrapada
Um sinal que diz: olhe para o lado
Vladimir luz
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