sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

UMA CITAÇÃO PARA 2010




"o mal não é criado por nós nem pelos outros, nasce do tecido que fiamos entre nós e que nos sufoca. Que nova gente, suficientemente rija, será paciente o bastante para refazê-lo verdadeiramente? A conclusão não é a revolta, é a virtù sem qualquer resignação."


Maurice Merleau-Ponty

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

LUIS ALBERTO WARAT


O CANTO DAS SEREIAS
(Para Luis Alberto Warat)

Eu ...
Que sempre fui um tolo num mundo dos práticos
Hoje sei que as sereias só cantam por nós
E isso é muito pouco
É nada
É apenas, caro Luis,
... o que importa

Vladimir Luz
17.12.2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

CHÃO DE FÁBRICA E DOUTORES (Da série Memórias)

...

Quando ingressei nos bancos da Faculdade de Direito, meados dos anos de 1990, uma das coisas que mais me deixava intrigado era ser tratado por “doutor”. Naquela época, ser aluno da egrégia faculdade de direito da UFBA ainda tinha certo glamour, e a sociedade em geral reproduzia os antigos “salamaleques” do bacharelismo. Sou do tempo em que não era fácil fazer Faculdade, ainda mais direito numa Federal. Tanta era a pompa que, mesmo sendo um simples estudante da graduação, era comum ser identificado e tratado por “doutor”. Naquela época, ainda sobrevivia um clima coimbrão decorrente do ideário dos docentes e discentes da Faculdade centenária: o piso de mármore branco, os livros da capa de couro, os bustos, os relicários, “datas venias”, ternos e gravatas. Nesse clima, ser doutor era parte “natural” de um ritual que as elites baianas já estavam acostumadas desde o Império. Mas essa coisa do “doutor” tinha um outro sentido, menos artificial. Lembro que no SAJU, Serviço de Apoio Jurídico Gratuito, onde construí toda minha trajetória acadêmica, as pessoas mais simples me identificavam comumente por “doutor Vladimir”. Tratava-se de uma forma de tratamento singela, sincera, típica de quem procurava ajuda, uma reverência respeitosa para com um pretenso “expert”. Se por acaso pedisse para não ser chamado de “doutor” era como se fosse quebrado um pacto de respeito, e por isso mesmo passei a não mais me importar com essa alcunha; passei a compreender, então, os limites e os possíveis sentidos legítimos do tratamento “doutoral”.

Toda essa lembrança me remete às recentes eleições do curso de direito da UNESC. O colega João Carlos, em várias salas, repetia algo que ficará em minha memória: “sou um professor chão de fábrica”. Confesso que ainda hoje, mesmo após a conclusão do doutorado, o que mais me causa estranheza não é ser tratado por “doutor”. Até porque não sinto nesse tratamento, nos dias atuais, aquele sentido respeitoso vindo das camadas populares, tampouco o sentido bacharelesco tradicional. Tanto do ponto de vista acadêmico (pós-graduação) como o profissional, penso que o termo “doutor” está sendo esvaziado dos seus sentidos legítimos e meritórios (se existir algum deles), passando a ser uma expressão jocosa, artificial, quase uma piada contada às avessas. Por tudo isso, nos dias atuais, o que mais me intriga é ser professor.

Ainda hoje quando algum aluno me chama ao longe “professor Vladimir”, demoro e titubeio. Serei eu mesmo? Para mim, ser professor, meu ofício, meu mandato, também sempre foi meu maior desafio. Um dia poderei, tal como o amigo João, ser chamado pelos alunos apenas como “professor”, e sentir nessa simples menção um reconhecimento raro, sincero, simples, que não precisa de nenhum rodeio ou pretexto protocolar. Poderei também, quem sabe, ser chamado de “doutor” com a mesma singeleza daqueles que sabem reconhecer o mérito sem precisar de máscaras; que sabem reconhecer, sem papas na língua, nem rancor, que por detrás dos diplomas na parede há legitimidade concreta, tempo e sonhos empenhados. E se algum dia as palavras “doutor” e “professor” puderem resgatar esses sentimentos vivos de minha memória (ou delírios), quem sabe terei encontrado o sentido pleno para toda minha carreira, o motivo para minhas lutas, vitórias e derrotas; terei encontrado, enfim, meu “chão de fábrica”.

sábado, 6 de novembro de 2010

O curso de Direito da UNESC

Não será preciso, agora, medir palavras, ter pruridos, tampouco iludir-se em ser imparcial; necessário se faz, portanto, ir direto ao ponto: algo de muito bonito aconteceu na Cidade de Criciúma, há pouco mais de dez anos, quando ali se formou um singelo curso de graduação em direito na Universidade do Extremo Sul Catarinense.
Dentre muitos termos, a palavra “bonito”, mesmo podendo invocar um tom jocoso, ridículo, precário ou mesmo démodé, é a expressão mais honesta da qual me valho preliminarmente para sintetizar uma experiência peculiar de atividade universitária; uma experiência de convívio humano que raramente acontece e, como tudo que é humanamente “bonito”, é igualmente frágil e tem sempre como horizonte possível o olvido decorrente do silêncio das gerações que lhe sucedem. É sobre este algo “bonito”, que foi e é muito mais que a história de um curso universitário no interior de Santa Catarina, que eu busco, aqui, em breves linhas, deixar um testemunho com o olhar de quem pôde vivenciar seus êxitos, seus fracassos e seus desafios. Diante de tantas coisas a relatar e a gravar na memória dos que virão, destacarei – com o meu olhar míope e parcial – apenas um aspecto fundamental do curso de direito da UNESC, algo que, para além da estrutura acadêmica e curricular, das rotinas procedimentais ou mesmo do projeto pedagógico formal, pode ser entendido como a sua marca principal, seu elemento fundador, ou seja, aquilo que os gregos denominavam de philia.

Para mim, tudo começou por um engano: “Alô, queria falar com ‘fulano’, disse o então coordenador adjunto de curso de direito da UNESC à época, Carlos Magno. “Não, essa pessoa não mora aqui”. Disse-lhe, então, que era “o Vladimir”. Como num estalido, após breve silencio, o Magno lembrou que também precisava falar comigo, que meu nome teria sido mencionado por uma amiga para lecionar, caso houvesse uma necessidade urgente. No final das contas, aquele engano teria dado certo, pois de fato havia a urgência em se conseguir um professor de IED (Introdução ao Estudo do Direito). Sem saber onde ficava Criciúma, norte, sul, leste ou oeste, lá fui eu.
Em 2001, logo que ingressei na UNESC, a idéia de se construir um curso de direito crítico e humanista encravado na cidade de Criciúma, inspirado talvez por influência do exemplo histórico da UFSC, apesar de claramente discutido e delineado, encontrava inúmeras resistências. Havia os que pensavam, e ainda pensam, alunos e professores, que o mercado deveria dirigir e determinar os objetivos da academia, e, no campo do direito, a formação técnica e dogmática deveria ser o tom, a linha do curso. Premidos por essas tensões, lembro-me de um slogan surgido na época: o curso de direito tem muitos filósofos e nenhum advogado. Muitas foram as disputas ao longo desses dez anos, rusgas internas e externas, acirradas por um rico ambiente universitário marcado pelo voto universal, características que, por si só, mereceriam outro relato específico. Tudo isso ficará, creio eu, devidamente registrado. Para mim, neste momento, importa saber como este projeto, pressionado por tantas forças contrárias, conseguiu resistir e alcançar notórios êxitos, ou seja, o que, no fundo, lhe deu efetivo suporte?

A philia, para o gregos pós-socráticos, comumente traduzida por “amizade”, era o principal vínculo que tornava possível a vida comum, a vida da polis, a vida humana, que nada mais era, para os helenos, senão o convívio entre os diferentes. Os gregos antigos, nossos “pais fundadores”, bem sabiam que a philia era justamente aquilo que possibilitava, para além de uma afectio pessoal, o espaço político da vida em comum, sendo ela o campo de intersecção, o hiato preciso em que se constituía o próprio espaço aberto da convivência, da vida que não é puramente mais algo pessoal e doméstico (oikos), mas uma vida partilhadamente projetada: uma comunidade. É realmente difícil, para nós, homens e mulheres do presente, entender exatamente o sentido pleno e político do arcaico termo philia. Para nós, ocidentais do século XXI, grosso modo, a amizade é uma expressão meramente individual de se relacionar, um elemento de nossas relações privadas, um círculo das especificidades oriundas dos nossos gostos, e por vezes, a amizade é apenas o ver-se no igual, naquele que é meu espelho apenas, aquele que ratifica minha fala, meu narcisismo, sentidos contrários, creio eu, à origem profunda e clássica do termo philia. Pois bem. Penso que é esse sentido profundo e raro de philia que se conseguiu construir na cidade do carvão, precisamente no curso de Direito da UNESC, ao longo de dez anos, e, a meu juízo, esse é um dos seus grandes legados que não pode escapar de nossa memória, mas deve ser partilhado com aqueles que porventura desejam, no futuro, entender essa história cheia de tramas e versões.
Se fosse possível traçar as causas históricas responsáveis pela definição deste perfil próprio do curso de Direito, sob a ótica da philia, a conjunção de alguns fatores me parece decisiva: 1) a fundação do curso de direito da UNESC se deu, desde sua raiz, sob a orientação claramente humanista, por pessoas que traziam, em sua formação pessoal, a marca de uma concepção de mundo e de universidade humanista, o que preparou o “solo” da comunidade que dali em diante se formou e afirmou; 2) sucessivas gestões do curso, ao longo de dez anos, também formadas, em sua maioria, por egressos do mestrado em direito da UFSC, conseguiram desenvolver, de uma forma democrática, a raiz humanista do curso na sua cotidianidade, no seu fazer prático do dia-a-dia; e, por fim 3) a incorporação sucessiva e gradativa de docentes de diversas matrizes de formação política, perfil acadêmico e profissionalizante, de várias cidades, aderindo-os, sem cooptação ou pressão, ao Projeto Político Pedagógico do curso, sem, contudo, desfigurar as especificidades pessoais de cada um. Obviamente, todo esse processo não se deu sem rusgas, nem foi linear. Tampouco a tese que aqui expresso pode ser lida como absoluta. O fato é que, de minha experiência pessoal, primeiro como aluno que militou no movimento estudantil, depois como docente universitário, poucos foram os espaços em que vi, sem idealismos, uma comunidade de professores, enfim, de amigos, no sentido clássico, ser constituída de maneira tão interessante. Uma alquimia fruto do labor dos tempos, forjada gradativamente por fatores racionais e práticos, ações planejadas, concepções pedagógicas e políticas claras, ao lado de uma gama de variáveis imponderáveis fizeram desse encontro de pessoas o que foi e tem sido o curso de direito da UNESC. O melhor resumo de sua história é o resumo dessas vidas entrecruzadas pelo riso, pelo choro, pelo trabalho e, principalmente, pelo prazer de estar-junto, algo raro no mundo de hoje.
Toda história, no fundo, é uma dentre muitas versões. A minha versão da história do curso de Direito da UNESC, que gostaria de um dia escrever e legar, é esta: a de pessoas, alunos e professores que, numa encruzilhada de suas existências, fizeram algo “bonito”, e só isso. Um bonito de uma “boniteza” que não se mede só com números, uma beleza que se sente de longe sua raridade. Muitos dos meus contemporâneos, que viveram o mesmo contexto de formação do curso de Direito da UNESC, hão de discordar dessa minha versão, achando-a fantasiosa, ufanista, idílica, “filosófica”, ridícula até. Mas, para mim, um dos atores dessa ficção, foi isso, esse elo cotidiano de amizade em torno de um projeto público, que fez quem somos nós até aqui, muito diferentes em tudo, mas iguais em sonhos, do mais pragmático ao mais poético, do mais cristão ao mais ateu, exercitando a palavra e o ato numa mesma comunidade. Quando, ao derredor, observo as dificuldades de instituições várias em construir grupos orgânicos, quando vejo a quase impossibilidade de as instituições atuais serem espelhos de nós mesmos, quando percebo que cada vez mais “o mundo da vida” não cabe mais nas organizações de forma plural e democrática, penso que nós, do curso de Direito, temos algo a dizer, uma memória a partilhar.

Como narrador parcial que sou, sinto não poder explicar melhor o que toda essa experiência significou e tem significado para mim objetivamente. Também não sei se esse é mesmo o melhor “retrato” do curso de Direito da UNESC. Posso dizer, apenas, que, até hoje, quando o telefone toca sobranceiro, quando algum engano pueril passa em minha frente, lembro ser possível que ali esteja disfarçado um enlace do destino, uma trama, um desatino, ou alguma “boniteza” dessas que só estão esperando o momento certo para crescer, o momento nebuloso e decisivo de nossas escolhas.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mexe Mexe

Do Blog do Prof Carlos Magno:

http://www.youtube.com/watch?v=B8ws60S9HCg&feature=player_embedded

Faço questão de postar aqui o "jingle" da chapa 1. Ele comunica por si só o que queremos dizer com diferenças de projeto.

Alguém que pretende gerenciar um grupo de professores não pode denominar uma parte deles de "patotinha".

Ainda mais quando esta "patotinha" o acolheu e protegeu em momentos difíceis.

Ainda mais quando ele integrou esta "patotinha" por mais tempo que os candidatos da chapa 2.

Reitero meu respeito aos professores que apóiam a chapa 1. Entendo a possibilidade de quererem expressar um projeto de curso diferente.

Não, eles não são uma "patotinha". São e continuarão sendo meus colegas de curso depois do dia 10/11. A todos eles o meu mais profundo respeito

Fonte: http://blogdoprofcarlosmagno.blogspot.com/

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Memórias I – Vó Conceição

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Todas as manhãs, um ritual: o cheiro inigualável do café. Mesa posta. A “farda” do colégio já estava passada. Eu ainda ficava na cama por algum tempo. Meticulosamente, para que eu pudesse dormir um pouco mais, ela colocava as minhas meias, bem devagar, e eu, mesmo acordado, fingia estar dormindo. No caminho da escola, ela me dava a mão. Uma mão áspera de quem passou pelos fardos da vida; mas uma mão igualmente terna e segura, de quem queria, até com excesso, zelar e guiar os Seus. O caminho era curto, mas lembro de cada passo. É assim que me recordo das manhãs com minha Vó Conceição. De tudo que passamos doravante, as brigas, os conflitos, resta ainda essa imagem, a do menino que fui, franzino, acanhado, que ia para escola todas as manhãs com um sentimento único: o de não estar sozinho no mundo. Até hoje quando sinto aquele cheiro inigualável de café, quando rumo para o trabalho, e me acomete um certo estranhamento da vida – sensação de quem pensa muito nas coisas desse mundo – relembro de quando ela me dava sua mão. Então, sem pensar, sigo, sigo...

sábado, 18 de setembro de 2010

IRA III (Da série: meus pecados prediletos)

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A tua palavra transpira medo

Medo de ser como eu sou

Medo de não poder não ter medo

Medo de não poder deixar de se esconder em bem-estares

Medo do teu desejo que cedeu às convenções

Medo dos teus sonhos que cederam à vida burguesa

Medo de olhar opções que não foram as tuas melhores opções

Eu, o indigno, o impuro, o sujo, sou o alvo do teu medo

Atira, então, a primeira pedra do teu medo

Atira de forma rápida e certeira o petardo do teu rancor-moral
porque assim teu medo se transformará na moral pálida de muitos

Muitos gritarão contigo: morte ao herege!

Age, outrossim, como um filisteu, com um hipócrita, como um medíocre

Vive, ao lado dos teus, do teu gado, dos acomodados, dos normais

Rumina toda essa grama podre de veleidades colhida no pasto da tua vida caiada de branco

Vai, como Catilina, tecer intrigas, bisbilhotar à noite, afiar facas e preparar venenos

Pois eu, como Giordano, prefiro queimar a ter cravado no peito a lança do teu perdão imundo

E que a morte nunca chegue ao teu leito

É melhor que vivas eternamente

Sejas feliz para sempre – e com medo


Vladimir Luz

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

OLHAR

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Meu lado direito é o melhor lado

Nele você me vê como sou

Do lado esquerdo, apenas os sonhos

De frente, máscaras que sorriem

Mas você, sabe-se lá como, é capaz de me ver

Num instante, parco e miúdo

Num riso, terno e irônico

Deixo de ser quem eu sou

Fico mudo

Parado

Como se fosse apenas um vazio sem dono

Um pretexto

Uma desculpa esfarrapada

Um sinal que diz: olhe para o lado


Vladimir luz

quinta-feira, 22 de julho de 2010

CAUSALIDADE

Imagine um lugar distante e imaginário
Um lugar cheio de questões intrigantes

Onde as pessoas valorizam concretamente mais o ter, o parecer ter, o consumir
E se perguntam assustadas: por que razão não há solidaridade ?

Um lugar onde pensar é coisa de filósofo
Arte é coisa de desocupado
Em que educação virou uma mercadoria
Em que tudo tem que ter um fim pragmático
E as pessoas se espantam: por que será que não há mais esperança?

Nesse lugar as pessoas votam na aparência, no gosto, no jeito
E se perguntam: por que será que os políticos não prestam?

Nesse lugar aquilo que não dê retorno imediato, recompensa material é besteira
E se perguntam: por que o que importa não é feito?

Nesse lugar imaginário o estar só com os seus, a intolerância com o diferente é o que vale no cotidiano
E se grita com indignação feroz: por que não temos mais liberdade?

Nesse campo de ficção, apenas o corpo com formas pré-estabelecidas pode ser belo
Apenas o jovem, laborativo e sem “defeitos” é o que importa
E se perguntam assustados: nossa, por que será que tudo é tão superficial ?

Nesse lugar, todos amam a lei, a moralidade e a punição exemplar
Mas se afirma, com risos de sincera alegria, “quem cola não sai da escola” e “quem pode mais, chora menos”

Nesse mesmo lugar, vale mais ser querido que ser sério, ser sisudo que ser alegre
A dor só vale quando for minha, e o outro só tem valor se satisfazer meus desejos mais particulares
E se pergunta com estupor em todos os cantos: por que há tanta injustiça?

Estranho lugar
Misteriosas perguntas



Vladimir Luz

domingo, 3 de janeiro de 2010

ANCESTRAIS

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De algum lugar eu vim
Silencioso como um deus
Nada antes do ser
Matéria antes do verbo
Metáfora sem palavras

E deste azul
Passei a recolher cada ente
Lugar de retiro, ventre
Mar de onde tudo vem
Braços da mãe, espelho de tempos idos

E da terra, barro e floresta
Ainda há pegadas
Há cheiro de guerra, e de espera
Mata do caçador, Oxossi
Flecha que corta cada segundo
Ligeiramente

Desse sangue antigo veio meu sangue
Misturado a tantas noites
Ferro, sal, suor em navios
Canto de ninar, violência e amor
Reza, santo guerreiro, andor luzente
Tanta gente que se fez gente
Continentes a se dispersar
Distantes

Muitos antes de mim foram
Seguiram, riram, morreram
Eles estão em mim
Carne do que sou
Carne que me fiz ser
Memória que se apagará
Na miudeza insignificante
De minha breve vida

Aqui estou: nada mais
E rogo ao grande mistério
Que não se revele ao seres sem poesia
E que eu seja apenas o testemunho inaudito
Dessa história de muitos
Muitos
Antes de mim


Vladimir Luz