domingo, 24 de novembro de 2013

POEMA PARA DANÇAR EM CASAMENTOS

...

Quando a porta se abriu
E a voz, ao fundo, cantarolava
O sol pode se abrir
O tempo sorriu
Todos dançavam
E não havia rancor em seus olhos
Beijos do passado, nem nós atados
Apenas imagens de cristal
Caleidoscópios
Ao longe
Pés na grama, cachorros latindo
Riso discreto da menina do canto
Abraços tão forte como o vento do sul
Foi, assim, como num filme
Alaridos, serpentinas
Crianças correndo pela sala
Medos solenes em vinho
Couraças de papel
Partituras de chocolate
Amarras de algodão
Sapatos de nuvens
Portas de espuma
Carinhos de ondas
Nucas de morango
Afagos de proparoxítonas
Sexo onomatopaico
Calafrio sem pudor
Máquinas de escrever
Muitos lá-menores
Sustenidos
Com sétima
e..
Quando a porta se abriu
Solenemente
Eu pude dizer
Sim










sábado, 26 de outubro de 2013

REVOLUÇÃO


 ....


Por onde anda a sua revolução?
Talvez ela esteja escondida nos pequenos afazeres do dia
Tímida, entre o banho e o café da manhã
Acanhada, cismada, observando as cores da TV
Sua revolução abraça o travesseiro em noites de insônia
Espera ligações que nunca chegam
Em cada segundo do dia sua revolução rumina lembranças
Caiando de vermelho o céu que nos observa
O mesmo céu dos antigos, moldura do homo sacer

Por onde anda nossa revolução?
Perdida em sonhos – quiçá os mesmos de antes
Corpos perfilados, pólvora e morte
Nossa revolução se esconde nesses abraços apertados
Nesses olhares que nunca se encontrarão – quiçá outros doravante
Revolução sem ganhadores nem perdedores
Uma revolução mesquinhamente libidinal
Carne e suor

E foi assim que tudo aconteceu
A revolução chegou silenciosa
Abriu as janelas
E, num desses dias de calor carioca,
Nua
A revolução se fez



26.10.2013
Vladimir Luz







domingo, 20 de outubro de 2013

AFROEMAS – Xangô (100 anos de Vinicius de Moraes)


...



Para quem tudo foi tirado – Todos são iguais perante a Lei?
Para os que viraram coisa – famélicos do mundo!
Para os que rondam os palácios de mármore – Construídos por quem?

Eis a sombra do fogo que desce o caminho
Vermelho, sangue de tantos
Eis a justiça, epieikeia – Oxé!

Para os que erguem tribunais espúrios – atiram a primeira pedra?
Para os sacerdotes da verdade –  vendilhões que buscam templos!
Eis a sombra do trovão, Zeus – Yorubá

Para os que têm sede de justiça  – urdidura do presente
E não perdem a ternura
Jamais.

20.10.2013
Vladimir Luz


sábado, 19 de outubro de 2013

AFROEMAS – OXOSSI (100 anos de Vinicius de Moraes)


Flecha da vida - cortante
Flecha do destino

Fronte luzente, melanina
Fronte de muitos

Canto que cruza o Atlântico
Olhar penetrante, silêncio
Mata, urbe, pólis
Golpe

Flecha da vida – cortante
Flecha do destino

A força de tantos – liberdade
Vida que teima, renasce
Andar sobranceiro, vitória
Eros, Aruanda
Ofá, afeto

Flecha da vida - cortante
Flecha da vida - poesia
Sempre
    
  
19.10.2013

Vladimir Luz

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

VINICIUS


Vi partidas
Armadilhas
Vi emoções
Ilusões
E se me fecharam os olhos
Vi poesia
Vi inicios
Vinicius

18.10.2013
Vladimir Luz

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

EPÍGRAFE

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Nem tanto amor nem tanto ódio O que mata é a indiferença
Nem vitória nem derrota O que enoja é a falta de utopia
Nem inteligência nem burrice O que nos condena é essa brutal ausência de espanto
Isso serve para mim, serve para nós...
Nem pecado nem luxúria A questão está no medo de viver
Nem tanto a juventude nem tanto velhice O tempo é um só
Nem inícios nem finais O sentido está no caminhar
Tudo isso pode não servir E que assim o seja Para mim e pra nós
10.11.2007 Vladimir Luz
Imagem: Carta do Tarot de Osho

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

METÁFORA

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Toda verdade é pouca
Quando a imagem, Oca,
Aquece a face do destino

Toda razão é louca
Quando a vida, Pouca,
Deixa o corpo em desatino

Toda rima é rota
Quando a palavra, Solta,
Faz-se corpo libertino

E na lassidão do sentido
Tudo é flor
Tudo é parido
Tudo é dor

Talvez amor, anjo da luz
Anjo caído


04.02.2009

Vladimir Luz

Quadro de René Magritte

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

ANA LUZ

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Vem, mãe... hoje é o dia
O dia nasce
Nascem mães
Mães parem
Parem filhos com asas
Primeiro eles titubeiam, mas saltam
E eles voam, esse filhos que sempre são filhos
Nascidos, os filhos às vezes teimam em voar
Mas vão

Vem, mãe...
O dia parte
Homens e mulheres partem
Vão e vem - sempre foi assim, e será
Pega minha mão
Aquela mão pequena, menino mirrado
Carne de sua carne, sangue do seu sangue
Espelho de tanta gente que veio antes
Antes, antes de tudo
Lá no começo de tudo
No primeiro dia no qual a primeira mãe nascida se fez

Vem, mãe
Estou aqui
Antes do verbo
No silencioso mistério do dia
Entregue a esta profunda conexão que nem a poesia recupera
Nem o tempo nem a razão capturam
Isso que chamam amor

12.09.2013

Vladimir Luz

quarta-feira, 3 de julho de 2013

MÉMORIA DO 2 DE JULHO (Parte II)

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Se hoje fosse 2 de julho
Poderíamos encontrar Carlinhos na subida do Taboão
E com ele recitar seus poemas escritos nas provas de Física
Unidos pela luta de tantos
Memória que não se apaga, como um vento forte
... que sempre veio do leste

Se hoje fosse 2 de julho
O amor seria brasa que queima a epiderme da alma
Ferro que marca, grilhão cindindo pelo sonho
Poderíamos, então, sair até o Campo Grande
Pés na terra
Terra molhada
Nada mais além disso

Mas hoje não é 2 de julho
É tempo de outros lamentos
Dos heróis de si mesmos, que dormiam o sono cálido dos justos
E que acordaram pálidos pela luz de tantas verdades
Verdades que se levam a sério demais, como as minhas

Se hoje fosse 2 de julho
Não seria o dia do Juízo Final
Nem a redenção dos puros
Tampouco o fogo da vingança
O ardor do ódio
A revolução regada a conforto
Seria apenas um dia sem máscaras
Sem papéis ou desculpas
Culpa ou promessas eternas

Seria apenas
... 2 de Julho

Vladimir Luz
03.07.2013


 Foto de Pierre Fatumbi Verger

domingo, 23 de junho de 2013

DOMINGO


...
Quisera a minha ilusão ser igual a sua
Poderíamos cantar juntos
Bebericar amenidades em algum bar
Rolar na grama

Mas a minha ilusão é parte do todo que me faz
Visão tosca dos meus pequenos simulacros do dia-a-dia
Olhares difusos, apertos de mão
Ensaio de beijos nunca dados
Verdades consumidas por segundos
Silêncio que corta tudo e todos na esquina da linguagem
Uma paz sempre cambaliante e ébria

Pudera ser eu mais que minhas ilusões
Num mundo de Pangloss, onde tudo é como deve ser
Herói de diplomas e livros de couro
Ator ofuscado, esperando aplausos ao cair o pano
Abraço que dura o tempo da eternidade
Ah, a eternidade...

Por enquanto, resta a desconfiança
A espera, o desejo que exista algo mais além
Além-mar, além-tela, além do além
Algo como agora
Domingo



Vladimir Luz

Gravura: Escher

domingo, 2 de junho de 2013

LIRISMO URBANO

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Coberta de sol
A cena então se fez
Repleta de solidões acompanhadas
Cheia de gente ao redor, ruído e rubor
Carros, transeuntes

E por um Instante breve
Todos os corpos pararam  
Como se fossem seu último labor
E de memória, fez-se um hino
Por lá onde desfilam todos os seres
Lugar da palavra não-dita
Lugar do instinto insone

E tudo se fez antes do inicio
Antes, bem antes do verbo
Antes mesmo de todo  silêncio
E num sopro poético

Luz 
....
Fiat Lux



02.06.2013

Vladimir luz