terça-feira, 29 de julho de 2008

ILUSÕES

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Eu tenho um encanto que sempre se desespera
Um encanto noturno – angústia de viver

Eu tenho mãos de escriba
Mãos sedentas - cerradamente à espera

Eu tenho o gosto do fim
Pois em minha boca congelaram os beijos do passado

Eu tenho em mim a fronte do pecado
A marca de Caim, o apelo invisível da queda

Eu tenho muito pouco
Apenas o segundo que passa
Instante sem nexo nem amor
– pedaço de mim que se vai

Pedaço partido do que sou


29.07.2008
Vladimir Luz

segunda-feira, 21 de julho de 2008

CORINGA

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Olhe, pare, respire
Um segundo, uma esquina
O destino, um desatino

É isso que se mostra sem rodeios
Um resto de noite e chuva
Aquela luz fraca que se apaga

Resta uma lei, um decreto
O olhar da esfinge
A resposta do oráculo

... é arriscado viver


21.07.2008Vladimir Luz

quinta-feira, 17 de julho de 2008

CONFISSÃO

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Não quero te falar de amor
Deixo isso para os poetas e filósofos
Essa gente sabe tratar deste assunto melhor do que eu

Também não vou te fazer promessas
Dessas que a gente ouve nos boleros
Coisas que o ego precisa como ilusão de segurança

Quero apenas pegar em tua mão
Beijar o teu corpo nu
Pousar meu corpo em teu ventre
E poder dormir com teu cheiro

Quero, enfim, ter a coragem de confessar minhas fraquezas
E ainda assim ser teu homem e teu amparo
Capaz de ter a força suave de ouvir e compreender
Com a meta sutil de fazer de cada dia uma aventura

Se tudo isso for possível
O passado será apenas cicatriz sem dor
A vida não precisará mais de rótulos
O instante e o tempo serão unos
E, ao sentir sua mínima presença,
Serei já
feliz





15.07.2008Vladimir Luz

sexta-feira, 11 de julho de 2008

ALGEMAS E BRIOCHE

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Vladimir de Carvalho Luz

O pitoresco episódio protagonizado por Maria Antonieta nas vésperas da revolução francesa (1789) lembrou-me a forma simbólica como grande parte da elite jurídica nacional insiste em se comportar em relação a determinados fatos de impacto geral, notadamente no campo penal. Refiro-me especialmente à declaração recente do presidente do STF acerca de certos excessos relativos às prisões realizadas pela Policia Federal de personalidades como Naji Nahas, Celso Pitta, Daniel Dantas, dentre outros. No caso específico, com ar grave, o presidente da mais alta Corte do Brasil manifestou sua preocupação com o uso abusivo de algemas, o que seria incompatível com um Estado Democrático de Direito. Tal declaração, em que pese ser correta em seu sentido jurídico-formal, revela o padrão clássico de “insensibilidade social” travestida sob a forma ingênua de uma indignação jurídica ad hoc.

Reza a história (ou a lenda) que, ao saber que uma turba faminta clamava por pão em frente do Palácio de Versalhes, Maria Antonieta teria dito “Se o povo está com fome e não tem pão, que coma brioche". A pitoresca frase da esposa do rei Luís XVI sempre é usada como um exemplo clássico de uma espécie de “autismo social” típico das elites, incapazes (conscientemente ou não) de ver as contradições reais que a cercam. Afinal, pensando formalmente, é correto afirmar que brioches, assim como pão, matam a fome. Talvez o povo faminto – esse pequeno detalhe, ao qual não se devem muitas satisfações – tenha entendido mais do que o sentido formal (correto) da frase de Maria Antonieta, mas o seu sentido simbólico. Tal padrão parece ser universal e muito comum em contextos em que a elite se acha ainda confortável no seu mundo de vidro, ou de grades e gabinetes, como no Brasil.

Esse desprezo, esse alheamento e esse descaso que o discurso da elite revela em face das tensões da vida cotidiana cabem bem na boca dos juristas, acostumados, via de regra, a separar o formal do material, a vida da lei, a legitimidade da legalidade, tudo em nome de uma pretensa verdade (mascara tosca de ideologia) ou de uma autoridade quase sacra. O ponto é simples: o que significa, simbolicamente, a indignação pública e específica do presidente do STF no episódio das mencionadas prisões? Sejamos francos. O que deveriam pensar (tal qual a turba de Versalhes) os milhares de brasileiros e brasileiras cotidianamente submetidos às algemas, à tortura (Tropa de Elite?) e ao descaso das autoridades públicas ? Como deveriam interpretar essa frase os milhares de “cidadãos não-banqueiros ou não-políticos, que presumidamente são inocentes, mas ficam algemados nos salões de júri? Que compreensão teriam – se lhes é lícito compreender o que enuncia o oráculo dos doutos, aqueles para os quais o Estado Democrático de Direito sequer foi oferecido como ilusão? Dirão alguns: trata-se de um pronunciamento sobre um caso específico. A dúvida que fica, porém, é por que os outros casos (centenas quiçá) de ação brutal e excessiva do direito penal, como a criminalização dos movimentos sociais, só para citar um exemplo, não está na fala costumeira desses “mandatários” do Estado Democrático de Direito?
Uma ressalva final: acredito que ter o mínimo de sensibilidade social em uma sociedade cindida em extremas desigualdades reais, como o Brasil, não significa, notadamente no mundo dominado pela mídia, “jogar para a torcida”, tampouco exercer a fala “populista”. Não. Mas não se pode mais deixar de notar o sentido simbólico dessa falas gerais das elites, surgidas em situações pontuais, apoiadas pelo corolário de uma igualdade formal e de uma neutralidade que nem mesmo o ideário liberal clássico suportaria, tamanha a sua “ingenuidade”. Num mundo real, e não de ficções jurídicas, não é lícito subtender que a crítica pública das algemas, feita pelo bem-intencionado presidente do STF, era dirigida a quaisquer algemas e não àquelas que prendiam especialmente os nominados envolvidos (cidadãos iguais a todos).
Não sei se a elite brasileira, notadamente a jurídica, algum dia deixará de falar como se estivesse num mundo de fantasias. O clamor pela injustiça horrenda das algemas em cidadãos tão exemplares, em contraste com os outros tantos (nem sempre citados) que furtam melancias, é apenas um “ato falho”. Os juristas em geral, cercados por suas boas razões, verdades e ingenuidades, adoram oferecer ao povo o “brioche” sofisticado de suas decisões, não desconfiando que talvez o povo, essa coisa abstrata e distante, sabe bem qual a diferença real entre algemas, pão e brioche. De alguma maneira, a historia demonstra que as elites dominantes custam a entender o efeito de suas “insensibilidades”. Maria Antonieta e Luís XVI entenderam tarde demais.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

ENCONTROS

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Deixa a mesa posta
A janela aberta
O riso solto
A porta sem chave

Observa o segundo passar
A dor secar
A flor parir e o vento bagunçar os papéis

E quando o sono vir
Comemore a morte do dia
Abrace o travesseiro sem cobranças

Assim virá mais um dia, e mais um outro dia

É esse o absurdo que nos ronda
Em cada esquina uma sombra
Em cada corpo uma marca
Em cada lembrança uma escolha

Deixa apenas o cenário pronto
A mão espalmada
Pupila dilatada
A alma nua

Quem sabe assim, um dia, como aquele depois do outro
Contando com tamanha distração e desleixo
Essa coisa chamada amor vire mais que palavra
Seja mais que promessa vulgar de felicidade
Seja o toque repentino – acidental e sem razão –
de um simples encontro
09/07/2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

PROFILAXIA AMOROSA

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Não está no manual
Não é igual como nos filmes
De nada adianta o vasto currículo
Conselhos? Todos inúteis...
Avisos? Sem efeito...
Aquele caso passado? Não se aplica...


Há quem deseje achar vacina
Mas mesmo assim sofrerá com o efeito placebo
Começa com olhar, depois vem a frase ocasional
Sucedem-se os jogos: telefonema, agora ou depois?
Síndrome aguda que leva à completa idiotia
Eu já desisti de achar modelos preventivos
Sei que tem gente que quer se especializar no assunto
Há especializações em várias áreas: casamentos-pra-suportar-a-solidãoHá mestrado em “pessoa certa” e doutorado em “felizes para sempre”

Apesar de tanto profissionalismo, nesse campo não tenho destreza
Assim, pelo menos, a indústria do bolero agradece:Em matéria de amor serei sempre um “amador”

06 de julho de 2008
Vladimir Luz

quarta-feira, 2 de julho de 2008

2 DE JULHO

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Sobe a ladeira da vida
Penhor de sol e mar
Brasa ardente na pele ancestral
Ocaso de lanças e danças sem fim


E na subida observa quantos se foram
Observa as correntes partidas, os amores partidos
Observa a criança nua, gesto cativo da mãe
Observa a luz de tantas eras, escuridão revivida
Ouve, então, o som do tambor da guerra, o mesmo da alegria
Atento ao silêncio dos livros oficiais
Ao rumor do dia que sempre começa
Parto de Justiça, machadinha de Xangô
Tropeço, dança, grito na rua estreita


Sobe, sem medo, a ladeira da vida
No seu topo não há fim, não há chegada
Apenas mirante, apenas miragem
O fardo feliz de que se pode, enfim, viver
E lutar


02.07.2008Vladimir Luz