quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

LASCIATE OGNI SPERANZA ...


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Ouve
Eles gritam por justiça
Passeiam rápidos nas sombras
Quebram janelas
Marcam casas
Entoam cantos
Pisam em nome da pureza que não sabemos cuidar
E cobrem de exéquias os últimos sonhos

Olha
Seus dedos em riste
A pedra lançada, a primeira
A testa franzida, soberana e provecta
O corpo ereto
Eles dominam os mistérios
Sabem  do bem e do mal
E com o fogo sagrado, purgam nossos pecados
De cuja fumaça não restará lembrança

Dorme
O sono dos justos
Pois, finalmente, estamos todos salvos
Do lobo que esgueira como cordeiro
E enche de lama nossas fontes puras
Nossas tímidas consciências salvas
E ao repousar
Sonha com o amor imaculado
Invisível
Intangível
Doce
Acre como o sangue alheio
Afinal
Eles sabem o que fazem

12.12.2012

Vladimir Luz





Rodin: A porta do inferno

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

MEU PAI

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Minha Irmã Rai me contou. Era cedinho, eu estava no berço. Meu pai chegou silencioso e apressado. Ele pegou umas roupas e se despediu dela e de mim com um afago. Rai lembra que dois homens estavam fora de casa, esperando. Dali meu pai seguiu direto para o quartel. Rai, apesar de muito jovem, nunca esqueceu essa cena: meu pai sendo preso pelos agentes do regime militar de 1964.

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Minha avó Izabel chamava seu filho, Raimundo Batista da Luz, carinhosamente de “mundim”. Orgulhava-se do filho que tinha duas formaturas (Administração e História). De minha avó ouvi a estória de que ela teria estrategicamente enterrado os livros de “Mundim”, livros vermelhos. Naquele tempo livros eram perigosos. Os amigos o chamavam, e até hoje chamam, carinhosamente de Batistinha. A política, os amigos, a vida vivida intensamente sempre conduziu meu pai. Lembro dos tempos de APLB, dos debates da CUT, da formação do PT. Logo após a abertura, nas primeiras eleições para vereador, tenho vivamente na memória a foto de meu pai na TV, com um número (de sua candidatura). Isso era a propaganda política da época. Minha mãe guarda até hoje uma foto publicada na capa do Jornal A TARDE em que estou eu e meu pai, no Campo Grande, num dos primeiros comícios de Lula após a fundação do PT.

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Atualmente meu pai mora em Pituaçu na cidade de Salvador, onde leva uma vida simples. Mas, qual característica de Batistinha seria mais marcante para mim? Quando falamos de nossos pais, há uma tentadora tendência de se fazer apologias, ou, contrariamente, por vezes, consciente ou inconscientemente, cometemos injustiças e distorções. Atento a estes riscos, de meu pai, esse “espírito livre”, desorganizado para as coisas materiais, ex-preso político, militante, homem alheio às demandas da “vida prática”, há um componente muito importante que hoje percebo claramente. Aos olhos da sociedade atual, para a qual uma pessoa vale pelo carro ou pela roupa de marca que usa, ou mesmo pela esperteza de pautar sua vida em estratégias estritamente pragmáticas, qual seria o legado de Batistinha? A resposta para tal indagação, que já se enunciava de forma intuitiva, veio recentemente.

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Contardo Calligaris, num Café Filosófico em que se discutia “a crise do macho”, teve que responder uma pergunta feita por uma ouvinte queixosa dos homens. Antes, Contardo sustentava a hipótese de que há, no imaginário masculino, duas questões centrais: uma, a relação complexa entre devaneio e mundo concreto, que impulsiona a psique masculina sempre rumo ao suprimento de expectativas (maternas e das mulheres em geral), que são de difícil realização, o que gera uma sedução pela quebra do cotidiano, o desejo constante pelo alhures. Outra característica, ligada à primeira, refere-se ao heroísmo da guerra como elemento determinante do ideal masculino. Nessa perspectiva, o desafio da morte que a guerra representa seria a marca da mestria masculina. Há também o movimento de despedida que marca a ida para a Guerra. Agonismo e altruísmo estariam no cerne dessa marca masculina, pautada na assunção e erotização do risco, no qual sobreviver (parte do concreto cotidiano) não é mais importante do que viver. Ao final da exposição, a referida mulher presente na plateia disse, indignada, mais ou menos o seguinte: os homens são preguiçosos, covardes. Guerra é fácil, heroísmo mesmo é a vida real, concreta, ir ao supermercado, pagar contas. Contardo sorriu. Em seguida, respondeu, em síntese:



“Vou lhe responder de um ponto de vista masculino porque é o meu ... concordo com você que é preciso de muita coragem para encarar a vida cotidiana ... é preciso de uma coragem de um tipo diferente ... o problema é que a coragem do devaneio, por exemplo, é também de considerar que a coisa mais concreta que a gente tem, a vida, não é necessariamente um valor supremo...e tem momentos nos quais é muito bom que seja assim... de novo só posso pensar nos termos que eu verdadeiramente aprendi.. nos termos da vida que aprendi com os meus pais...o meu pai era profundamente inepto do ponto de vista da vida concreta.. desse ponto de vista era um macho perfeito ... não tinha nenhuma gestão da casa ... e não sabia assinar um cheque, contrariamente a mim e meu irmão ... não sabia nem fritar um ovo... mas se não fosse pelo tipo de coragem dele talvez a Europa de hoje seria uma Europa pós-hitlerista ou nazista... essa foi a coragem dele. Precisava que alguém dissesse não, tem coisas pelas quais a gente, o filho da gente vale a pena morrer... porque não vale a pena viver dobrando a cabeça ...eu acho isso tão importante quanto... ”

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Pois bem. Mais que concordar ou não com a tese exposta por Contardo Galligaris, do jogo difuso das expectativas femininas moldando as masculinas, e todas elas sendo modificadas ao longo do tempo, algo importante emerge de minha reflexão pessoal.

A vida de meu pai foi e é a síntese de um heroísmo masculino do alhures, que hoje representa algo distante das vidas cotidianas. Não foi melhor nem pior que outras, tampouco exemplo de perfeição idealista. Longe disso. Tudo teve (e tem) um preço. Batistinha talvez não saiba, mas ele me mostrou que existem coisas pelas quais efetivamente vale a pena morrer. Se não se sabe disso, nenhuma vida, por mais confortável que seja do ponto de vista material, vale a pena de ser vivida.

15.11.2012

Vladimir Luz






sexta-feira, 12 de outubro de 2012

CAFÉ COM WARAT



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Warat acalentava a ideia de abrir uma faculdade de direito em Curitiba. Havia uma criativa corruptela que já marcava o nome da Faculdade: LAW – Luis Alberto Warat. Sua logomarca era um pinguim que sugeriria uma ruptura de padrões. Warat achava que o problema do ensino jurídico era justamente a sua “pinguinização”, com a qual juristas se comportavam, se vestiam e pensavam todos iguais. O projeto do curso era, como Warat, único. Arte com eixo básico. Locais fundamentais da escola: um circo e um café, e não salas de aulas. Ao lado das disciplinas obrigatórias, o mais importante era dança (para professores e alunos). Fui convidado para fazer parte do corpo docente deste inusitado projeto. Nem pestanejei. Fui até Curitiba algumas vezes. Numas dessas ocasiões, quando da visita in loco da Comissão da OAB, vivenciei um momento raro.

Estava em um hotel no centro de Curitiba. Desci para tomar café. Lá estava Warat. Sentei ao seu lado. Passamos boa parte da manhã conversando. Na época estava elaborando o projeto de minha tese justamente sobre uma das mais importantes reflexões waratianas: o senso comum teórico dos juristas. Luis Alberto (como era chamado por Marta Gama) falou sobre seu pai, sua infância; tratou de fatos pitorescos sobre Cossio, Nino. Falou de sua fraternal relação com Albano. Foi então que me revelou de onde nasceu a ideia do neologismo “senso comum teórico dos Juristas”. Disse que tal ideia nascera quando da leitura de Althusser (Filosofia e Filosofia espontânea dos cientistas). Eu já desconfiava das origens estruturalistas (Althusserianas ou mesmo bourdieunianas) dessa ideia, ainda que indireta ou inconscientemente.

Lembro deste momento como algo muito importante para minha trajetória, algo que marca meu currículo oculto. Naquela manhã eu não estava diante do meu ídolo de juventude, do mestre de uma geração desbravadora da critica jurídica no Brasil. Naquele momento, estavam ali duas pessoas conversando sobre coisas em comum, rindo da vida e de si mesmos, sem nenhuma pretensão “séria”. Haveria espaço para estes encontros hoje em dia, em nossas rotinas docentes? Nossos currículos lattes comportariam, em algum lugar, o item específico “café com Warat”? Aliás, pouco importa para esta lembrança coisas como lattes e rotinas pedagógicas. Lembro que, entre um gole de café e os suculentos – e hoje politicamente incorretos – ovos mexidos, Luis, o portenho-brasileiro mais baiano do mundo, dizia: “Vladimir, a vida é uma ilusão, precisamos ter as boas, as boas ilusões”.

Que assim seja.

12.10.2012
Vladimir Luz
Foto do dia em que tomei café com Warat.





     


       

segunda-feira, 2 de julho de 2012

MEMÓRIAS DO 2 DE JULHO



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Quem vem de Pirajá, sol a pino,

Já ouve o tambor,

E partimos, passo a passo, pela Liberdade até o Pelourinho


Quitéria veio pela ladeira do Desterro, vestida de guerra

Joana Angélica, no Convento da Lapa, fechou os portais

E o engano de Lopes, foi o segredo do golpe


E nas ruas, tantos passos foram marcados

Anônimos cajados, mãos de tantos ao mesmo tempo

Flecha ancestral, mistura de tudo num só, melanina e suor


E vem de Salvador essa estória antiga

De ver igualdade na diferença

Essa crença de ver na alegria a mesma face da luta

E de não desmerecer cada pedra, cada vestígio  

Detalhes que não escapam ao tempo, esse silêncio que tudo consome


E quem vem do Tororó, do Rio Vermelho e do Campo Grande

Sabe que a vida deita pouso no sagrado

Esse recanto, essa clareira

Esse lugar - memória que se faz verbo

Carne que se fez canto, pranto que se faz alento

Data que é caminho, e não chegada:  2 de julho.





02 de julho de 2012.

Vladimir Luz















terça-feira, 8 de maio de 2012

PINA

 Por que precisamos da arte? Eu sempre tive uma resposta para esta pergunta. Convincente, lógica, bem articulada, enfim, uma resposta pronta. 

Após o filme PINA, dirigido por Wim Wenders, passei a duvidar de minhas firmes convicções sobre este tema. O filme-documentário trata da obra, da vida de Pina Bausch. Na há uma narrativa tradicional. Praticamente todo o filme é composto pelas coreografias dirigidas por Pina ao longo de sua vida. Há pouquíssimas falas. Entre uma cena e outra, um raro depoimento, uma breve imagem de Pina e seu estilo de pensar e realizar a arte da dança. As palavras eram subordinadas ao movimento.

De todas as artes, confesso que a dança sempre me causava certo estranhamento. Para mim, eram as palavras que detinham o monopólio do mistério que faz a arte ser o que ela é, seja ela (a arte) o que for. Mesmo no cinema, no teatro, na opera, lá estavam as palavras. Todavia, ao ver PINA, o filme, uma sensação diferente me ocorreu. Fiquei seduzido em tentar explicar (sempre elas, as palavras), em buscar nas palavras o sentido daquilo que acabara de ver. 

Angústia, amor, solidão, felicidade, vida, morte, beleza seriam apenas palavras? Não. São experiências, e como tal podemos senti-las de diversas formas, até mesmo com palavras. Pina Bausch fez do corpo e do movimento testemunhas e confidentes dessas experiências. Elas não são redutíveis a palavras. Corpo e movimento agem como poesia que desvela o ser que se mostra como é. Por isso não tenho mais respostas sobre o sentido da arte, mas apenas, intuições. Em suma: a arte não serve a nada, porque não pode ser reduzida a um instrumento, a um “para que” (seria essa uma resposta?). A arte apenas é parte do que somos. Assim sendo, tende a nos transportar a uma certa experiência, a uma certa morada na qual habitamos como seres paridores de sentido, presos ao tempo, atados a nossa inexorável finitude. A isso, a essa experiência estética, que nos faz sentir mais próximos do humano em seu ser (e não o ser humano), que a arte se coloca como espelho. 

Hoje não quero mais palavras. Basta o corpo, o movimento, o toque, o gesto. Finalmente pude compreender (e não entender) aquilo que Nietzsche disse certa feita: “temos a arte para que a verdade não nos destrua”. Ou melhor, na versão de Pina Bausch: “Dance, dance, dance, senão estaremos perdidos”  

Agora tenho (sou) muito mais do que respostas.  
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08.05.2012 Vladimir Luz





quarta-feira, 4 de abril de 2012

MEU SAMBA (II)



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E se nada bastar
Deixa estar

E se nada restar
Vai amar

E se tudo for em vão
Chora, não

Pois na superfície do amanhã
Essa linha que une e separa
É sentindo que nasce o sentido

Vem viver!

Vladimir Luz
04.04.2012

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012