O que mais temo na vida não é a morte
Não por coragem, mas por pura preguiça existencial
Pensar na morte dá um trabalho danado ...
O que me aflige, em verdade, é ficar assim, incrédulo
Tentando achar o que aconteceu nos caminhos e descaminhos
Remoendo venturas e desventuras
Um ceticismo tardio, um realismo sem gosto
Tenho medo de que não consiga mais ter ilusões
De ser completamente normal
De buscar o conforto para uma morte anunciada
De ter que olhar o olhar de deboche dos realistas, e, ainda assim, sorrir
Receio acreditar nas máscaras da vida mais que em mim
Ser indiferente como índole, como uma estratégia típica de vencedor
O que me salva
É que nenhuma razão, nenhuma explicação resolve tudo isso de uma vez
Nada me salva dessa maturidade
Eu, uma criança que acorda do coma de quarenta anos
Abre os olhos e diz:
“sorvete”?
VLADIMIR LUZ
21.02.2011
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Benjamin Button
Além dos efeitos de maquiagem e um roteiro razoavelmente bem costurado, o filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” (The Curious Case of Benjamin Button) tem o mérito de abordar de maneira singular o tema da finitude humana. Benjamin era diferente. Enquanto todos nós cumprimos uma trajetória existencial, marcada pelo nascimento, envelhecimento e morte, Benjamin já nasceu fisicamente velho e progressivamente ia rejuvenescendo. Enquanto seu corpo tomava, pouco a pouco, ano após ano, forma juvenil, todos os outros, seguindo o roteiro “natural”, invariavelmente envelheciam e morriam. O filme todo propicia, portanto, uma reflexão não só sobre a “curiosa” e bizarra situação de Benjamin. O que está em debate, no fundo, é a nossa característica humana mais humana: o fato de sermos os únicos, como diria Heidegger, lançados no mundo com a consciência do fim.
O tema da finitude, desde os Gregos, tem sido o ponto e o contraponto da filosofia. Para Luc Ferry, toda filosofia clássica gravita em torno da questão da vida e da morte. Afinal: se a morte é um fato inescapável, como viver plenamente? Qual o sentido da vida, já que o fim é certo? Como devo agir? Para quem acha que se trata de “papo furado” de filósofo, a questão da finitude é democrática: atinge a todos sem exceção. Explico. Conscientemente ou não, de forma mais elaborada ou não, todos nós agimos e pautamos nossas trajetórias pessoais a partir desta certeza de que o tempo limitará nossas vidas. Até mesmo quando nos omitimos, dirão os existencialistas, estaremos decidindo nossa existência. Nós humanos, intelectuais ou não, homens e mulheres, pobres ou ricos, portanto, pautamos nossas vidas a partir deste tema. Obviamente, o mundo moderno e ocidental busca sublimar a angústia de tema tão aparentemente sinistro. Afinal, além da certeza do fim, a morte nos separará de quem amamos, além de vir, na maioria das vezes, sem aviso. Diante do inevitável, dirão os “realistas”, a vida segue, com enconros e desencontros. Sobre este aspecto, o filme, em forte medida, é também uma bela história de amor; uma história premeditamente condenada ao desencontro.
Algo mais. Diante do fim, da decadência do corpo e do imprevisto, o que fazer? Parece que um mundo, como o atual, que nega a morte e a velhice, entendendo-as como antíteses da condição humana, será um mundo que também negará, como pensava Nietzsche, a própria vida. Em algum lugar um raio cairá em alguém, um amor se fará e separações serão inevitáveis. O mais curioso é que o relógio, indiferente a tudo isso, não para.
Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC
sábado, 5 de fevereiro de 2011
MINHA ORAÇÃO
Vinde ...
E que tudo seja instante
Soluço de viver, fome de sentido
Solo úmido a apontar caminhos: encruzilhada.
Do lado direito, raiz de tudo
Do lado esquerdo, ilusões necessárias
Defronte apenas salto, início
Vinde, pois, agora
Mãos atadas, mãos na fronte
Abraços que virão, noites que serão noites
Chuva que leva o que não foi dito
Gozo e dor como irmãos
Vinde ...
Como um verso não-escrito
Projeto de si, alegoria
Pois não há sina
Sem o ser que se faz sem poesia
Agora, sempre e nunca
Amém
Vladimir Luz
26.01.2011
Foto: Sebastião Salgado
DIÁRIOS DE MOTOCICLETA
Mirando o outro lado, ele se jogou nas águas escuras. Ninguém havia antes atravessado a nado aquele rio caudaloso. Era noite, apenas pequenos pontos de luz eram avistados. Quem oesperava na outra margem? Por que, afinal, atravessar o rio?
Dizem que imagens falam mais que palavras. E quando imagens se fundem a palavras e
música, uma estranha magia se realiza. Por isso, o cinema, o teatro e a dança são linguagens poderosas. A cena retratada é uma das muitas do filme de Walter Salles, “Diários de motocicleta”, o qual, passada a euforia de seu lançamento e os holofotes da mídia, ainda nos faz ir além do dito e penetrar no profundo mistério do não dito. Apesar do seu célebre personagem, a trama autobiográfica do filme é feita de simples elementos: dois amigos, uma motocicleta e a América Latina como cenário. A simplicidade da trama tem, no fundo, a profundidade típica das estórias que nos comovem. Comover é um movimento interno, acontece precisamente quando nos movemos juntos (co-movemos), mobilizados por coisas que aparentemente nos são distantes e estranhas. Por isso, mesmo aqueles que não simpatizam muito com a imagem popular de Che Guevara, o guerrilheiro, podem se sensibilizar com Ernesto, o estudante de medicina, asmático, que, nas suas trilhas tortuosas com “La Poderosa”, percorreu quilômetros para encontrar algo inusitado.
“Diários de motocicleta” tem, portanto, o mérito de ser um o espelho, a partir das lentes de Salles, de algumas imagens cruciais na vida de Ernesto e de seu amigo Alberto Granado. Imagens que fazem pensar. No seu caminho, Ernesto brigou com o amigo, meteu-se em confusão, calejou os pés, viu a dor humana exposta na carne viva, ouviu o lamento dos excluídos, leu Mariátegui, contemplou a contundência da beleza e da crueldade, ambas feitas pela mão dos homens. Um dia, no turbilhão de sua existência, Ernesto tomou uma decisão fundamental. Este é um dos méritos de Salles: ter escolhido cenas que reverberam silenciosamente em nossa existência, porque mostram que, lá no íntimo, tudo que nos cerca é meio, simples caminho.
Ao seu lado, Ernesto teve um amigo e uma velha motocicleta. Tudo foi apenas um pretexto. O que Ernesto sempre quis encontrar era Guevara. Melhor, reencontrar, pois ambos sempre foram unos, mas precisavam, como rito de vida, atravessar o outro lado do rio. O que há na margem do outro lado? Apenas o outro, a humanidade em potencia, ou o reflexo vivo de nós mesmos. No fundo, a grande revelação do filme de Salles também está na cena final: os olhos de Ernesto, antes de entrar no avião, após finalizar a sua saga, não eram os mesmos. Simples o recado: depois que se atravessa o rio, não há volta.
Dizem que imagens falam mais que palavras. E quando imagens se fundem a palavras e
música, uma estranha magia se realiza. Por isso, o cinema, o teatro e a dança são linguagens poderosas. A cena retratada é uma das muitas do filme de Walter Salles, “Diários de motocicleta”, o qual, passada a euforia de seu lançamento e os holofotes da mídia, ainda nos faz ir além do dito e penetrar no profundo mistério do não dito. Apesar do seu célebre personagem, a trama autobiográfica do filme é feita de simples elementos: dois amigos, uma motocicleta e a América Latina como cenário. A simplicidade da trama tem, no fundo, a profundidade típica das estórias que nos comovem. Comover é um movimento interno, acontece precisamente quando nos movemos juntos (co-movemos), mobilizados por coisas que aparentemente nos são distantes e estranhas. Por isso, mesmo aqueles que não simpatizam muito com a imagem popular de Che Guevara, o guerrilheiro, podem se sensibilizar com Ernesto, o estudante de medicina, asmático, que, nas suas trilhas tortuosas com “La Poderosa”, percorreu quilômetros para encontrar algo inusitado.
“Diários de motocicleta” tem, portanto, o mérito de ser um o espelho, a partir das lentes de Salles, de algumas imagens cruciais na vida de Ernesto e de seu amigo Alberto Granado. Imagens que fazem pensar. No seu caminho, Ernesto brigou com o amigo, meteu-se em confusão, calejou os pés, viu a dor humana exposta na carne viva, ouviu o lamento dos excluídos, leu Mariátegui, contemplou a contundência da beleza e da crueldade, ambas feitas pela mão dos homens. Um dia, no turbilhão de sua existência, Ernesto tomou uma decisão fundamental. Este é um dos méritos de Salles: ter escolhido cenas que reverberam silenciosamente em nossa existência, porque mostram que, lá no íntimo, tudo que nos cerca é meio, simples caminho.
Ao seu lado, Ernesto teve um amigo e uma velha motocicleta. Tudo foi apenas um pretexto. O que Ernesto sempre quis encontrar era Guevara. Melhor, reencontrar, pois ambos sempre foram unos, mas precisavam, como rito de vida, atravessar o outro lado do rio. O que há na margem do outro lado? Apenas o outro, a humanidade em potencia, ou o reflexo vivo de nós mesmos. No fundo, a grande revelação do filme de Salles também está na cena final: os olhos de Ernesto, antes de entrar no avião, após finalizar a sua saga, não eram os mesmos. Simples o recado: depois que se atravessa o rio, não há volta.
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