domingo, 3 de janeiro de 2010

ANCESTRAIS

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De algum lugar eu vim
Silencioso como um deus
Nada antes do ser
Matéria antes do verbo
Metáfora sem palavras

E deste azul
Passei a recolher cada ente
Lugar de retiro, ventre
Mar de onde tudo vem
Braços da mãe, espelho de tempos idos

E da terra, barro e floresta
Ainda há pegadas
Há cheiro de guerra, e de espera
Mata do caçador, Oxossi
Flecha que corta cada segundo
Ligeiramente

Desse sangue antigo veio meu sangue
Misturado a tantas noites
Ferro, sal, suor em navios
Canto de ninar, violência e amor
Reza, santo guerreiro, andor luzente
Tanta gente que se fez gente
Continentes a se dispersar
Distantes

Muitos antes de mim foram
Seguiram, riram, morreram
Eles estão em mim
Carne do que sou
Carne que me fiz ser
Memória que se apagará
Na miudeza insignificante
De minha breve vida

Aqui estou: nada mais
E rogo ao grande mistério
Que não se revele ao seres sem poesia
E que eu seja apenas o testemunho inaudito
Dessa história de muitos
Muitos
Antes de mim


Vladimir Luz