segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

1982 – O ANO QUE NÃO ACABOU. (Parte I)






Era o primeiro jogo do Brasil. A casa estava enfeitada como em dia de festa (naquele tempo ainda se fazia isso). Bandeirolas, mesa posta, olhos atentos e vibrantes, tudo espelhando uma celebração única. Televisão Telefunken com bombril na antena para melhorar a sintonia, e no centro da sala o sofá estrategicamente posicionado. Tudo era um: uma televisão, um sofá, uma geladeira, um telefone de disco. No “três em um” o disco de vinil (naquele tempo também tinha isso) com o jingle da copa. Antes do primeiro tempo, lembro, fui ao pátio: era como se toda vizinhança estivesse unida numa fina sintonia; risos ao longe, fogos, e hiatos de silêncios marcando a expectativa coletiva.

Dos times adversários, uma imagem quase mítica estampava meu álbum de figurinhas daquele ano: Rinat Dasaev, o gigante da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – CCCP (naquele tempo isso existia), o tártaro sucessor de Yashin (o Aranha negra). Estava lá, pois, a muralha russa, a lenda dos guarda-metas, desafiando a seleção canarinho em seu primeiro jogo. E tudo começou com um assombro: Valdir Peres, imbatível em penalidades máximas, aceitou o primeiro gol dos russos. Silencio geral. Não se ouvia mais o “voa, canarinho, voa...”. Mas tudo girou. O “doutor” Sócrates dominou a bola na intermediária, cortou para o centro, tirando do primeiro marcador, mais um corte, e lá se foi o segundo, e num lampejo de virtuosidade acertou um “pombo sem asa” no ângulo. As mãos até então inexpugnáveis de Dasaev chegaram a sentir o vácuo gerado pela bola que pousou nas redes russas. Depois, cai de vez a muralha tártara com o chute de Éder, sacramentando uma das reações mais memoráveis do futebol brasileiro.

Ao final do jogo, fui ao pátio mais uma vez. Era uma mistura de São João com carnaval. Uma alegria diferente. Prelúdio, quem sabe, de novos tempos. Uma ingenuidade verdadeira, típica dos 80, com suas ombreira, shorts curtos e permanentes. Uma ingenuidade trágica, bela e ridícula ao mesmo tempo, cujo símbolo máximo, no futebol, foi a seleção de Telê Santana. Naquele tempo era assim: a vitória mesmo, aquela que valia a pena, era apenas ser simples, verdadeiro, ou apenas feliz.

Vladimir Luz