quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O LEITOR

Culpa, memória e perdão. Três idéias seminais, materializadas em atitudes e valores que marcam decisivamente nosso laço social. Não há duvida que o nosso mundo ocidental foi simbolicamente construído a partir dos desdobramentos atribuídos a essas três palavras, basicamente das oposições entre culpa e pecado, bem e mal, verdade e ilusão, condenação e perdão. É sobre todo esse material intensamente humano que trata o filme “O leitor”, baseado no romance homônimo de Bernhard Schlink. A questão central posta por Schlink é seguinte: diante da evidência da culpa de quem se ama, seria possível o perdão?



Alemanha hitlerista. Aos quinze anos de idade, Michael Berg se apaixonara pela já madura Hanna Schimtz. Tudo se deu ao acaso, quando Hanna o socorreu após um mal estar num dia de chuva. Padecendo de hepatite, após longo repouso, Michael foi reencontrar e agradecer aquela mulher misteriosa que prontamente o ajudou. Nos rotineiros encontros que se seguiram, Hanna curiosamente lhe pedia que lesse os livros que estudava no colégio. Michael foi o seu amante e seu leitor. Ao longo da película, Michael, já adulto, relembra todos esses instantes de leitura, sexo e paixão em flashbacks. Após a partida repentina de Hanna, ele foi estudar direito em Heildelberg, quando, após a Segunda Grande Guerra, numa de suas idas como estudante para o julgamento de nazistas, viu que o seu antigo amor estava agora no banco dos réus. Hanna, mesmo diante da pressão pós-Guerra, pois admitia sua participação na seleção de mulheres no campo de Auschwitz. E quando indagada pelo juiz da causa do por quê de não ter aberto a porta de uma igreja em chamas para salvar prisioneiras da morte, disse: “O que o senhor teria feito, então”? Hanna foi condenada à prisão perpétua.


“O Leitor” não é uma obra apenas sobre o nazismo ou as contradições entre a moral e o direito, entre o dever e a justiça. Há algo de extremo na memória de Michael, algo muito mais forte do que a culpa que Hanna talvez nunca tenha sentido. Toda essa reflexão faz lembrar uma outra “Hanna”, a pensadora judia Hannah Arendt, que por ironia do destino amou Heidegger, o grande filósofo que aderiu ao Reich. Heiddeger, apesar de todo clamor, nunca se desculpou, e Arendt, apesar disso, sempre o amou. Talvez o amor seja isso, um esquecimento sem culpa, um silêncio sem dor, um desencontro que não precisa de perdão.


Vladimir Luz, professor do cusdo de Direito da UNESC. (Publicado no Jornal da Manhã – Criciúma)

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