quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

PAGAMENTO FINAL




Por que vemos filmes que já sabemos o final? Vários poderiam ser os motivos. Gostaria de apresentar apenas uma razão. É que, tal como nas tragédias gregas, o que nos fascina em certas estórias não é o seu final, em si, mas a teia psicológica de fatos que forma um fio tênue entre o não planejado, a escolha e o destino, e que conduz a um final já sabido ou intuído. O sensacional filme “Carlito’s Way” (1993) de Brian De Palma é um bom exemplo desta explicação de cunho filosófico-literário.



Carlito Brigante (Al Pacino) é um bandido “das antigas”, traficante de heroína que passou bons anos na prisão. Solto pela habilidade e astúcia do seu advogado e “amigo”, David Kleinfeld (Sean Peen), Carlito volta às ruas decidido a se redimir da vida criminosa. Contudo, Brigante percebe que os tempos são outros. Mesmo tentando não se meter em encrencas, Carlito vive com a sombra do seu passado. Um dos problemas centrais é que, no seu código de “ética” (Carlito’s way of life), há uma dívida de honra a ser paga a seu advogado (talvez por isso a infeliz versão do título em português, “Pagamento Final”). Ocorre que Kleinfeld precisava sempre de seus favores, a maior parte deles ilícitos, e cada vez mais Carlito ia sendo “atraído” e embaraçado nas redes dos seus atos. Ao longo da narrativa, é possível intuir, portanto, que o final não será feliz para Brigante, mesmo que o seu desejo fosse apenas vender carros e fugir para o “Paraíso” com sua namorada Gail (Penelope Ann Miller). Todo o filme é uma aula de cinema. Direção e roteiro primorosos, movimentos de câmera que aumentam a tensão psicológica, além da espetacular atuação de Sean Penn no papel de Kleinfeld. Qual a relação desta trama com as tragédias gregas?


.A primeira cena do filme mostra Carlito sendo baleado, e a narrativa já se desenvolve com o foco da câmera acompanhando o personagem ferido sendo conduzido em uma maca. Estaria, já na primeira cena, anunciado o destino de Carlito Brigante? As tragédias gregas são universais e atuais porque nelas identificamos uma questão existencial básica, pois, afinal, somos realmente condutores de nosso destino? Brigante, tal como Édipo e outros personagens clássicos, espelha essa figura simbólica, o herói trágico, que representa aquele que luta contra o caprichoso destino. Por isso, nessas estórias, não é o final previamente anunciado que nos fascina, é o caminho, a percepção do ponto obscuro das conseqüências, do nexo às vezes sutil entre atos e omissões, entre a vontade e o acaso que envolve os personagens que nos faz pensar. Com esses personagens todos nós nos identificamos subjetivamente porque também participamos do mesmo dilema humano, ou seja: ser personagem de uma saga que, mesmo com final anunciado desde que nascemos, não deixa de ser um grande (e belo) mistério.

Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC

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