quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

MENINA DE OURO




Em recente entrevista, o biólogo Richard Dawkins fez uma polêmica afirmação: “… ao contrário do meu cão, do seu cavalo ou de seu gato, eu não terei o privilégio de ir ao veterinário tomar uma injeção indolor para dormir. Eu quero morrer sob anestesia geral, mas, por ser humano, faço parte da única espécie que está proibida de fazer isso.” Morte, sofrimento e escolhas. Temas importantes que são muito bem incitados pelo premiado filme “Menina de Ouro” (Million Dollar Baby) de 2004. A trama principal se desenvolve a partir de três personagens: a boxeadora Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), o zelador Eddie Dupris (Morgan Freeman) e o treinador Frankie Dunn (Clint Eastwood), este último ator também responsável pela direção do filme.

Frankie era um veterano treinador de boxe de poucas palavras, olhar severo, estilo old school. Na academia de boxe trabalhava como zelador Eddie, ex-boxeador treinado por Frankie, que ficara cego de um olho em uma luta. Tudo muda quando Maggie entra definitivamente na vida desses dois veteranos do mundo do boxe. Maggie decide ser treinada por Frankie, e faz de tudo para que o velho turrão a aceite. Com o apoio de Eddie, Maggie convence Frankie a finalmente treiná-la. Daí em diante a trama cresce em intensidade, pois a persistente Maggie passa a vencer todos os desafios, um a um, dando um sopro de esperança, ainda que velado, àqueles velhos homens marcados pelas agruras dos ringues. Maggie, antes uma desconhecida garçonete, passou a ser uma pugilista vencedora chamada enigmaticamente por Frankie de “Mo Cuishle”. Ocorre que Maggie, em sua luta decisiva para seu triunfo, sofre um revés do destino que muda a vida destes três personagens. Nessa luta final, após um golpe sujo da adversária, Maggie fica tetraplégica.

Tanto quanto a própria vida, a morte humana é também cercada de valores e tabus. A forte provocação de Dawkins toca justamente nessas feridas morais que nos rondam há séculos. O que faria Frankie diante do pedido de Maggie, da sua súplica para ajudá-la a morrer? Tendo no centro da trama esta difícil escolha, o filme revela toda força simbólica do cinema como instrumento do pensar. Na penumbra do hospital, maleta na mão, Frankie ensaiou um beijo. Foi tudo ardentemente condensado, um instante pálido, corpos equidistantes. E dos velhos lábios, enfim, foram sussurradas as palavras cerimoniais, a-morais, o significado contundente de tudo, o que era realmente importante: “Mo Cuishle” – “meu tesouro”, “meu sangue”.

Vladimir Luz, professor do curso de Direito da UNESC (Publicado no Jornal da Manhã- Criciúma)

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