quarta-feira, 25 de maio de 2011

O DIREITO E AS CADEIRAS



Cadeiras até que poderiam ser apenas cadeiras. Algum dia cheguei mesmo acreditar nisso. Realmente, é mesmo útil e cômodo entender as cadeiras, assim como o mundo concreto que nos cerca, apenas como coisas. Na Faculdade de Direito, lá estão elas, as cadeiras, servis e silentes, prontas ao nosso banal uso cotidiano, acomodando nossos corpos em meio aos sincrônicos métodos de “aprendizagem”. Assim, ainda para alguns, na douta Faculdade, dia após dia, cadeiras eram apenas cadeiras, e aulas era apenas aulas.

Mas há uma vital e profunda importância nas cadeiras, um significado ainda a ser desvelado. Dei-me conta disso em meio a um desses rituais que os estudiosos chamam de “aula”. Ao entrar na sala, pude ver que as cadeiras eram, na verdade, personagens da nossa própria história, reflexo de nossas próprias condutas, espelhos vivos dos nossos medos e desejos. Cada espaço da sala, preenchido por uma cadeira, era a marca de alguma existência, o testemunho de alguma presença materializada no espaço. Percebi que estava diante de uma platéia viva. Foi assim, no início de uma aula, que procurei pela primeira vez ouvir o que me tentava me dizer aquele profundo silêncio das cadeias da Faculdade de Direito.

Como um exército disciplinado, as cadeiras da Faculdade encontravam-se perfeitamente enfileiradas, voltadas para uma única direção. “Olhando” sempre para o mesmo quadro-negro (que na verdade é verde escuro); as rígidas cadeiras deixavam de ver o belo ocaso do Vale do Bairro Canela, uma cena única e marcante, embora considerada menor perante o respeitável mundo dos futuros juristas. Vi, nos olhares congelados daqueles assentos de plástico e ferro, parte de nossa cegueira cotidiana para as coisas simples e belas. Talvez o ocaso, aquele que ocorre ao lado das salas todos os dias, seja o único a guardar a força e o mistério do ato de aprender.
Entrando nas salas, além das posições únicas, algo mais grave ocorria com as cadeiras. Elas, em sua totalidade, estavam pregadas ao solo. Assim como parte do direito “ensinado”, as cadeias passavam a me revelar, com uma nitidez incrível, a crença de estaticidade que permeia o ideário tradicional do jurista. E como se nada acontecesse − porque na verdade cadeiras são apenas cadeiras −, deixamos que isso ocorra, acostumados com uma única posição, entorpecidos com a falsa segurança dos pregos de aço que nos fixam ao chão.

Mas talvez esses sinais permaneçam propositalmente ocultos à nossa brilhante inteligência jurídica. É preciso ser louco para ouvir o silencio das cadeiras, e toda loucura é o inicio de algo novo. Ainda hoje, ao término das aulas, no apagar das luzes da Faculdade, tento ouvir e ver o silêncio das coisas, como se nelas estivessem verdadeiramente plasmadas as nossas intenções mais verdadeiras. O mármore branco, as placas de bronze, os livros de capa de couro, todos eles parte do que realmente construímos.

É possível que tudo o que percebi seja um delírio pessoal. Talvez cadeiras sejam realmente cadeiras. Mas, à noite, em reuniões clandestinas, quando os donos da verdade dormem e o Direito cochila, elas, as cadeiras, sonham ser algo mais. Querem sair do chão e voar, planando no Vale do Canela, sob a luz vermelha do ocaso. Porque sonhos são apenas sonhos, e isso já é o bastante.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

FRUTO PROIBIDO




Há quem goste de superfícies
Eu prefiro os vãos, os cantos, as fissuras antigas,
os abismos,
Aqueles espaços onde o musgo cresce lentamente

Há quem prefira amores perfeitos e finais felizes
Mas há os que preferem acreditar na beleza dos
anjos caídos
Que preferem acreditar apenas no risco, no risco de viver o imperfeito e o impreciso

Há quem goste da luz de Platão, mas eu prefiro os golpes de martelo de Nietzsche

Somos diferentes, por isso posso comer do
fruto proibido
Posso ser expulso do paraíso sem pestanejar
Assim posso ler nas entrelinhas do destino o riso jocoso do acaso
Posso, então, finalmente ser ridiculamente humano num mundo de homens iguais a monumentos de pó, de uma felicidade comprada em algum magazine

Há quem prefira palavras de carinho e juras de fidelidade
Eu prefiro o silencio do primeiro olhar
Aquele olhar que fere para sempre uma vida, que marca a ferro a pele da alma

Há quem goste da salvação eterna e verdades absolutas
Eu, de minha parte, prefiro apenas o abraço apertado de um amor fugidio
Um café bem quente (com açúcar)
E uma boa poesia

Vladimir Luz