quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Leitor

Culpa, memória e perdão. Três idéias seminais, materializadas em atitudes e valores que marcam decisivamente nosso laço social. Não há duvida que o nosso mundo ocidental foi simbolicamente construído a partir dos desdobramentos atribuídos a essas três palavras, basicamente das oposições entre culpa e pecado, bem e mal, verdade e ilusão, condenação e perdão. É sobre todo esse material intensamente humano que trata o filme “O leitor”, baseado no romance homônimo de Bernhard Schlink. A questão central posta por Schlink é seguinte: diante da evidência da culpa de quem se ama, seria possível o perdão?
Alemanha hitlerista. Aos quinze anos de idade, Michael Berg se apaixonara pela já madura Hanna Schimtz. Tudo se deu ao acaso, quando Hanna o socorreu após um mal estar num dia de chuva. Padecendo de hepatite, após longo repouso, Michael foi reencontrar e agradecer aquela mulher misteriosa que prontamente o ajudou. Nos rotineiros encontros que se seguiram, Hanna curiosamente lhe pedia que lesse os livros que estudava no colégio. Michael foi o seu amante e seu leitor. Ao longo da película, Michael, já adulto, relembra todos esses instantes de leitura, sexo e paixão em flashbacks. Após a partida repentina de Hanna, ele foi estudar direito em Heildelberg, quando, após a Segunda Grande Guerra, numa de suas idas como estudante para o julgamento de nazistas, viu que o seu antigo amor estava agora no banco dos réus. Hanna, mesmo diante da pressão pós-Guerra, pois admitia sua participação na seleção de mulheres no campo de Auschwitz. E quando indagada pelo juiz da causa do por quê de não ter aberto a porta de uma igreja em chamas para salvar prisioneiras da morte, disse: “O que o senhor teria feito, então”? Hanna foi condenada à prisão perpétua.
“O Leitor” não é uma obra apenas sobre o nazismo ou as contradições entre a moral e o direito, entre o dever e a justiça. Há algo de extremo na memória de Michael, algo muito mais forte do que a culpa que Hanna talvez nunca tenha sentido. Toda essa reflexão faz lembrar uma outra “Hanna”, a pensadora judia Hannah Arendt, que por ironia do destino amou Heidegger, o grande filósofo que aderiu ao Reich. Heiddeger, apesar de todo clamor, nunca se desculpou, e Arendt, apesar disso, sempre o amou. Talvez o amor seja isso, um esquecimento sem culpa, um silêncio sem dor, um desencontro que não precisa de perdão...

2 comentários:

  1. Eu gostei muito deste filme também. Achei que o ponto alto é a fala do estudante de direito que após assistir o julgamento contesta a eficácia da responsabilização dos militares. A ideia é que apontar o dedo para meia dúzia de "culpados" não exime a culpa de todos que silenciaram frente ao regime de exceção.

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  2. Olha só, achei seu blogue, Vladimir!

    Concordo com o Ribas. O que mais me marcou nesse filme foi justamente a sensação de que aquele julgamento representou uma grande hipocrisia...Não que a personagem não tenha cometido o crime, mas um julgamento que remeta a atrocidades como as da II Guerra, onde houve tolerância por parte considerável do próprio povo, deveria ocorrer por um método diferente. As consequencias de uma sentença num tipo de crime desse são muito mais complexas do que as de um crime comum. Corre-se o risco de que ocorra exatamente o que o Ribas apontou (expiação indesejada de culpa).

    Só lembrando que tudo isso não é demérito exclusivo dos alemães, já aconteceu algo tão trágico quanto em nosso amado país. A escravidão durou séculos e também foi com a conivência da maioria livre, que depois do "fim" oficial do hediondo regime, nunca teve a consciencia ou a liberdade ameaçada nem sequer por um julgamento falho como esse do filme.

    Fico tentando contar quantas outras atrocidades ocorrem diariamente e às quais fechamos nossos olhos e pelas quais também seremos condenados pelas gerações que nos sucederão. Espero que elas aprendam com os nossos erros- o que ainda não fizemos com nosso passado recente.


    Abraço!

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